Prevenção da Fibrilhação Auricular no Doente Oncológico
Professor Auxiliar Convidado, NOVA Medical School/Assistente Hospitalar Medicina Interna, CHULC/Vogal da Região Sul da Direção da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose/Secretário-Geral do Núcleo de Estudos de Prevenção e Risco Vascular da SPMI
A esperança de vida dos doentes oncológicos tem vindo a aumentar nos últimos anos fruto da implementação de programas de rastreio precoce, desenvolvimento dos meios de diagnóstico e terapêuticas. A fibrilhação auricular (FA) é uma das arritmias mais comuns e é sobejamente conhecida a sua associação a aumento do risco de acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca e morte.
Na população geral tem uma prevalência estimada em 1,5 a 2% que aumenta com a idade (cerca de 10% dos doentes com mais de 80 anos de idade têm FA). A patologia oncológica é um fator de risco independente para o desenvolvimento de FA (risco até quatro vezes superior) e tem uma prevalência de 20% nestes doentes. Os riscos individuais variam consoante as circunstâncias clínicas do doente, as alterações metabólicas e inflamatórias induzidas pelo tumor e o próprio tratamento. Assim, a FA nesta população engloba vários fatores de risco:
- Os fatores de risco tradicionais presentes na população em geral, como hipertensão, diabetes mellitus, hipercolesterolemia, tabagismo, consumo de álcool, insuficiência cardíaca, isquemia do miocárdio, doença pulmonar crónica, disfunção tiroideia, doença renal crónica e idade avançada.
- Os fatores de risco inerentes às neoplasias como alterações hidroeletrolíticas, hipóxia e distúrbios metabólicos ou o desequilíbrio do sistema nervoso autónomo com aumento do estímulo simpático causado pela dor e outras formas de stress físico ou emocional.
- Os fatores de risco relacionados com a terapêutica. Tratamentos cirúrgicos, quimioterapia e radioterapia associam-se a stress inflamatório e cardiotoxicidade, facilitando a ocorrência de FA. A FA pós-operatória é a forma mais frequente no doente oncológico com uma prevalência que atinge 16-46% na cirurgia cardiotorácica. Em relação aos fármacos, a incidência de FA secundária ao tratamento varia entre 2,2 e 16,7%.
Atualmente, antes de iniciar terapêutica, recomenda-se uma avaliação com colheita de anamnese e realização de exames complementares de diagnóstico (eletrocardiograma, ecocardiograma, biomarcadores de necrose miocárdica, entre outros) definidos individualmente de acordo com a neoplasia, a terapêutica proposta e risco cardiovascular. A avaliação de risco é uma tarefa desafiante pelo que as guidelines europeias propõem-nos uma abordagem abrangente e sistemática para avaliação do risco destes doentes sem atrasar o tratamento oncológico.
Os doentes de alto e muito alto risco devem ser referenciados à Cardiologia de forma a definir e otimizar estratégias para reduzir o risco de desenvolvimento de patologia cardiovascular. Os doentes de baixo risco podem ser seguidos pelo seu médico assistente e referenciados a um especialista em Cardio-Oncologia, caso surja alguma complicação ou não se consiga otimizar os fatores de risco. Independentemente do risco, todos os doentes devem otimizar o estilo de vida e manter atividade física adequada. As comorbilidades modificáveis, como a hipertensão arterial, devem ser otimizadas. Atenção especial também deve ser dada à polifarmácia, reduzindo ao essencial o uso de medicamentos que podem interferir com a terapêutica oncológica e monitorizar ativamente os seus efeitos colaterais e interações. Desequilíbrios eletrolíticos, como hipocaliemia e hipomagnesemia devem ser corrigidos.
O seguimento próximo destes doentes é crucial para prevenir a FA e morbilimortalidade associada. As medidas referidas e vigilância devem ser mantidas mesmo após resolução da patologia oncológica, pois o risco de desenvolvimento de FA mantém-se mais elevado que na população geral.