Trombose venosa superficial
Médico interno de formação específica em Medicina Interna, ULS de Santa Maria-Hospital de Santa Maria

Trombose venosa superficial

Em 1856, foi descrita a tríade de Virchow que destila em 3 princípios as condições ótimas na formação de um trombo: estase venosa, dano endotelial e estado de hipercoagulabilidade.

A realidade dita-nos que o fenótipo mais frequente de trombose venosa (TEV) se figura na trombose venosa profunda (TVP) ou no tromboembolismo pulmonar (TEP). Contudo, tem-se destacado uma 3ª entidade: a trombose venosa superficial (TVS).

A TVS apresenta-se como uma região tumorizada em cordel, ao longo dos trajetos venosos (habitualmente em veias varicosas pré-existentes), com eritema, calor e dor associados. Dada a apresentação inflamatória, é confundida com a tromboflebite (inflamatória e infeciosa), repercutindo-se frequentemente no uso inadequado de antibióticos.

O diagnóstico de TVS é clínico, via anamnese e semiologia, prevendo-se que, em casos de dúvida diagnóstica com TVP, se recomende o recurso à ecografia com Doppler do membro inferior.

A TVS não é uma entidade clínica benigna, pois, segundo o estudo POST, cerca de 25% dos doentes com TVS já detinham extensão trombótica para o sistema venoso profundo (SVP) ou TEP na altura do diagnóstico inicial. Por outro lado, cerca de 10% dos doentes com TVS padeceram de complicações tromboembólicas (TVP, TEP ou TVS recorrente/progressivo) nos primeiros 3 meses de follow-up.

Encarece-se assim a necessidade de atitude terapêutica a curto e a longo prazo.

A European Society of Vascular Surgery (ESVS) sugere nas últimas recomendações (2021), o seguinte:

1) se TVP presente, seguir terapêutica preconizada para TVP;

2) se TVS presente e ausência de TVP, com

– TVS que diste <3cm do SVP, deve-se iniciar anticoagulação terapêutica;

– TVS que diste ≥3cm do SVP e extensão de ≥5cm, deve ser realizado curso de aplicação subcutânea de fondaparinux ou heparina de baixo peso molecular durante 45 dias.

Caso seja um doente de elevado risco clínico e/ou anatomia vascular promotora de estase, a anticoagulação terapêutica deve ser prolongada durante ≥3 meses. Adicionalmente, em todos os doentes, 3 meses volvidos da intercorrência inflamatória e com fase protrombótica estabilizada, deve-se considerar a ablação de veias superficiais incompetentes para diminuir o risco de recorrência.

Na circunstância não descrita pela ESVS de TVS isolada e que diste ≥3cm do SVP com extensão <5cm, a Canada Thrombosis sugere o recurso a anti-inflamatórios não esteroides (AINE), quer via aplicação tópica ou sistémica (per os), durante 7-14 dias. Contudo tem-se revelado polémico, uma vez que pode solucionar as manifestações inflamatórias locais, mas não se traduz numa progressão de trombo mitigada.

Em suma, a TVS é a manifestação venosa superficial dum processo sistémico associado com outras manifestações de TEV (TVP e TEP) quer em diagnóstico concomitante quer na recorrência ou progressão trombótica, figurando-se assim como uma entidade de especial relevo clínico-académico, cuja forma de gestão e terapêutica ainda carece de teor definitivo nas recomendações internacionais.

 

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