Trombose venosa cerebral
Médico interno de formação específica em Medicina Interna, ULS de Santa Maria-Hospital de Santa Maria

Trombose venosa cerebral

A trombose venosa cerebral (TVC), que inclui a trombose das veias cerebrais e dos seios durais, constitui uma causa rara de acidente vascular cerebral.

Na anatomia cerebral, a drenagem venosa ocorre por um sistema complexo composto pelas veias cerebrais que drenam para os seios venosos durais, que incluem os seios sagitais superior e inferior e os seios laterais esquerdo e direito, que desembocam nas respetivas veias jugulares internas. Ademais, as veias cerebrais distinguem-se por serem destituídas de válvulas e de camada muscular na sua parede interna.

A TVC causa obstrução da drenagem venosa cerebral, desencadeando mecanismos patogénicos que incluem formação de edema vasogénico, lesão do parênquima cerebral e subsequente lesão neurológica focal; em casos mais graves, a obstrução do fluxo pode levar à rotura da parede venosa, originando hemorragia parenquimatosa concomitante. Por outro lado, o aumento da pressão venosa cerebral pode comprometer a drenagem do líquido céfalo-raquidiano para o sistema venoso, resultando em aumento da pressão intracraniana.

Ocorre mais frequentemente em mulheres jovens adultas, com idade média de 37 anos, com proporção feminino / masculino de 3:1. É mais frequente durante a gravidez, puerpério ou sob uso de anticoncetivo oral; associa-se ainda a obesidade, doença inflamatória intestinal, infeções intracranianas e estados protrombóticos como policitemia, anemia falciforme, deficiência de proteínas C, S ou antitrombina III, mutação do fator V Leiden ou do gene da protrombina G20210A.

A apresentação clínica é variável, sendo a cefaleia o sintoma mais comum, habitualmente de intensidade crescente. Adicionalmente, podem existir manifestações associadas a hipertensão intracraniana (como vómitos e alterações visuais), defeitos focais (que podem ser bilaterais, na afeção dos seios sagitais), crises convulsivas (mais frequentes do que noutras formas de doença cerebrovascular) ou, em casos mais graves, encefalopatia.

A confirmação diagnóstica faz-se por exame de neuroimagem combinada com venografia, sendo a RM cerebral seguida de veno-RM o gold standard; se não for possível, é recomendada a TC cerebral seguida de veno-TC, cuja combinação tem uma acuidade diagnóstica de 90-100%, sendo menos sensível na trombose das pequenas veias corticais. Perante a suspeita clínica, é crucial avançar para o estudo venoso, já que na TC cerebral a maioria das alterações é inespecífica, podendo mesmo ser normal em 1/3 dos casos. Laboratorialmente, a elevação de d-dímeros favorece o diagnóstico.

A terapêutica baseia-se na anticoagulação: na fase aguda com heparina não fracionada ou de baixo peso molecular; na fase pós-aguda com anticoagulante oral (antagonista da vitamina K ou de ação direta). Note-se que a hemorragia cerebral associada a TVC não contraindica a anticoagulação.

Apesar de rara, importa reconhecer esta entidade, especialmente nas populações de risco, atendendo a que o prognóstico é geralmente favorável, se adequadamente tratada.

 

Bibliografia:

– Cerebral venous thrombosis: Etiology, clinical features, and diagnosis. Ferro J, Canhão P. Uptodate 2024.

– Cerebral venous thrombosis: Treatment and prognosis. Ferro J, Canhão P. Uptodate 2024.

– Harrison’s Principles of Internal Medicine. McGraw Hill 19th Ed.

 

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