10 Out, 2023

Chemsex. “As motivações podem relacionar-se com dificuldades já vividas, como solidão e falta de desejo sexual”

Filipe Couto Gomes é psiquiatra, coordenador da DiverGENTE (DICAD-ARSLVT), uma consulta de adictologia e sexologia para pessoas que fazem chemsex, para a comunidade LGBTQIAPN+ ou trabalhadoras do sexo. Ao SaúdeOnline esclarece o que é esta prática e quais os riscos associados.

Em que consiste o chemsex?

É um tipo de uso sexualizado de substâncias psicoativas (usam-se para facilitar, prolongar ou intensificar experiências sexuais), preferindo-se catinonas sintéticas, gamahidroxibutirato e metanfetamina, habitualmente em policonsumo. Há rápido acesso a parceiros sexuais (caracteristicamente, homens que têm sexo com homens – HSH) e às drogas via internet.

 

Existe um perfil de utilizador?

Homens que têm sexo com homens de diverso perfil socioeconómico, jovens e de meia-idade nos principais meios urbanos. Existem questões específicas das pessoas migrantes, racializadas, trans ou não-binárias, mais jovens, trabalhadoras do sexo ou que vivem com VIH.

“… desde o primeiro confinamento que existe uma nova dinâmica, com bastante mais participantes, a incluir pessoas mais jovens, com novas substâncias (metanfetamina e novos tipos de catinonas) e novas formas de consumir (injetada e fumada)”

Qual a prevalência?

Em Lisboa, desde o primeiro confinamento que existe uma nova dinâmica, com bastante mais participantes, a incluir pessoas mais jovens, com novas substâncias (metanfetamina e novos tipos de catinonas) e novas formas de consumir (injetada e fumada). Os dados publicados mais recentes quanto a Portugal são de 2017 e já não traduzem o fenómeno atual.

 

Do ponto de vista psicológico, o que pode estar associado a esta prática?

A motivação primordial é a da fruição e exploração sexual, ao entender-se que o chemsex facilita novas e mais experiências, atenuando inibições e evitamentos. As motivações para iniciar, manter ou aumentar esta prática podem relacionar-se com dificuldades já vividas, como a solidão e a falta de desejo sexual – que podem acentuar-se quanto há um padrão de uso intenso, pelos efeitos das substâncias e pelo desinvestimento noutras dimensões de vida. Importa não deixar de referir o stress crónico específico das minorias sexuais e de género, que pode acentuar-se pelo estigma quanto ao uso de substâncias psicoativas, trabalho sexual ou viver com VIH.

 

Quais os principais riscos para a saúde?

Efeitos de sobredosagem (diminuição respiratória e da consciência, delirium hiperativo, desregulação e doença aguda cardiovascular, psicose), síndromes de privação graves, transmissão de infeções sexualmente transmissíveis (é critério para PrEP do VIH), doença tromboembólica e infeções decorrentes da prática injetada, perturbações aditivas e outros quadros psiquiátricos, efeitos tóxicos a longo prazo (dismnésia, doença cardiovascular). E riscos interpessoais, nomeadamente de violência física e sexual.

“O médico de família deve criar um espaço sem juízos de valor para que se aborde substâncias psicoativas, sexualidade, riscos e necessidades”

Qual o tratamento mais adequado?

Aconselhamento e estratégias preventivas, com avaliação e intervenção quanto a questões associadas, sendo necessária intervenção dirigida ao controlo do comportamento, abordagem multidisciplinar em unidades especializadas em comportamentos aditivos, que incluam terapia sexual; daqui pode haver referenciação para programa psicoterapêutico residencial.

 

Qual o papel do médico de família?

O médico de família deve criar um espaço sem juízos de valor para que se aborde substâncias psicoativas, sexualidade, riscos e necessidades. E depois conhecer e encaminhar para recursos comunitários e no SNS, integrando-os nos restantes cuidados à pessoa.

MJG

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