Uma Administração Pública Independente para Reformar o SNS
Medicina Interna da ULSSA-Porto

Uma Administração Pública Independente para Reformar o SNS

Ouvi muitas vezes o meu Pai dizer que um dos segredos do sucesso da França era o da manutenção da “máquina administrativa”, mesmo com a ocorrência de mudanças no poder político. Embora a luz que nos vem agora de terras francesas já não seja tão avassaladora como outrora, acredito que essa regra se mantém.

Os ciclos políticos, mesmo quando correspondem a mais de uma legislatura, são interrompidos por atos eleitorais, que atrasam a concretização das medidas de futuro. É por isso que no caso da Saúde repetimos os estudos de diagnóstico, sabemos de cor as fraquezas e oportunidades do sistema, mas não saímos da “cepa torta”.

Isto vem a propósito do pedido de demissão do Diretor Executivo do SNS, Dr. Fernando Araújo, que foi aceite pela Senhora Ministra da Saúde um par de horas depois. Há um consenso alargado de que a existência de uma Direção Executiva do SNS é uma necessidade de há muitos anos. Apesar do crescimento exponencial do orçamento da Saúde, a resposta dada aos cidadãos nunca foi tão precária. Faltam políticas disruptivas de longo prazo, que garantam um SNS forte e sustentável, com futuro.

O poder político devia ter mais cuidado nas mudanças que faz nas chefias da Administração Pública. Demasiada pressa em as fazer alimenta a voz do povo, de que o propósito não é o de melhorar as coisas, mas apenas dar emprego à sua claque. Por outro lado, por mais que apregoe uma escolha das personalidades baseada na competência, avolumam-se as dúvidas quando apenas ela é reconhecida nos seus apaniguados.

Quanto a mim, a Direção Executiva “pôs-se a jeito” para ter este desfecho. Constituída por pessoas de incontestado valor e conhecimento dos problemas que assolam o SNS, tantas vezes explanados pelos próprios nos media, deixou que o tempo passasse sem nada acontecer. Manteve-se quase um ano sem estatuto de responsabilidades, sem que lhe ouvíssemos um queixume. Entreteve-se a pôr semáforos nas Urgências, de proibido aqui e permitido ali, da Medicina Interna, da Cirurgia Geral, da Pediatria e da Obstetrícia.

É curioso constatar que a Direção Executiva do SNS esteve paralisada quando tinha o respaldo de um Governo de maioria absoluta e lhe deu uma vertigem reformista com o Governo limitado à gestão corrente. Mas, pior ainda foi ver o Dr. Fernando Araújo na primeira fila do último comício da campanha eleitoral do Partido Socialista. Devia ter estado longe das lutas partidárias para que pudesse ser mantido incontestado e afirmado pelas suas qualidades profissionais.

As reformas implementadas pela Direção Executiva do SNS, a partir de janeiro de 2024, implicaram muitas centenas de nomeações para os Conselhos de Administração das 38 recém- criadas Unidades Locais de Saúde (ULS) e o quase absoluto esvaziamento de funções das Administrações Regionais de Saúde.

Independentemente de, na minha opinião, as ULS serem uma aposta correta, talvez apenas de duvidosa aplicação nos Hospitais Centrais e Universitários, teria sido sensato esperar pelas eleições de 10 de março. Agora ninguém sabe o que ficará de pé ou quantos serão os indemnizados.

Como sempre me obriguei a perseguir os objetivos, sem desistir com os escolhos do caminho, espero que tudo isto não sirva de desculpa para atrasar as medidas que permitam o ressurgir do nosso SNS pujante e seguro. Escrevo este texto no dia da comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. Não nos esqueçamos que o SNS é a maior conquista da Revolução dos Cravos, na opinião de 73% dos Portugueses (sondagem Expresso)!

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