21 Ago, 2023

“Temos mais uma ferramenta para a incontinência urinária feminina, com muito bons resultados”

A equipa de Urologia Funcional do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte realizou, no final de junho, pela primeira vez em Portugal, um novo tratamento para a incontinência urinária de esforço feminina: a injeção de bulking agents. O urologista Ricardo Pereira e Silva explica em que consiste e fala das suas indicações e resultados.

Foto: Equipa da Unidade de Urologia Funcional do CHULN

Em que consiste exatamente este tratamento – injeção de bulking agents?

A injeção de bulking agents é um conceito que já existe há alguns anos, tendo sido, previamente, utilizada na incontinência masculina, porém com resultados um pouco desapontantes. Utilizava-se por não haver alternativa viável para alguns doentes. Recentemente, surgiu a possibilidade de se efetuar este tratamento nesta indicação: a incontinência de esforço feminina. É uma cirurgia simples, que, nos planos teórico e prático, pode até ser feita com anestesia local. Optámos por realizá-lo sob sedação, para garantir que a doente está imóvel.

Com um cistoscópio, sob visão, porque tem uma câmara, injetamos por baixo da parede da uretra um gel biocompatível, que faz uma espécie de bolha – daí o termo bulk. O gel é injetado em três ou quatro localizações, de forma circunferencial, ou seja, fazendo um conjunto de três a quatro bolhas que vão vedar a uretra. É um conceito muito simples e fácil de compreender. No fundo, consiste em reduzir o calibre da uretra, de forma a permitir uma melhor contenção da urina. A vantagem deste procedimento está relacionada com as características físicas do gel. É muito biocompatível, não gera respostas alérgicas ou inflamatórias e não migra. Ou seja, selecionamos ao milímetro o local onde vamos o injetar, porque a uretra feminina é muito curta e o gel fica exatamente onde o colocamos. Essa é a grande vantagem. Este dispositivo traz um kit, com um conjunto de material pré-definido, tornando o procedimento muito standard, isto é, é feito sempre da mesma forma e o resultado é sempre o mesmo. É uma questão de consistência.

“A doente não tinha qualidade de vida, não saía de casa, só usava roupa preta e usava fralda. Ficámos muito contentes com o resultado [do tratamento]”

Fizeram o primeiro tratamento em junho e neste momento já trataram três doentes. Já conseguem fazer uma avaliação dos resultados?

Os resultados dos primeiros casos ultrapassaram as expectativas. As doentes selecionadas já tinham sido submetidas a outros tratamentos – casos normalmente não muito lineares -, logo a nossa expectativa estava de acordo com a complexidade de cada um dos casos. Um deles era absolutamente dramático, resultante de uma complicação de uma cirurgia prévia. A doente não tinha qualidade de vida, não saía de casa, só usava roupa preta e usava fralda. Ficámos muito contentes com o resultado, mesmo tendo em consideração os estudos já previamente publicados. Acima de tudo, é uma cirurgia que não pretende substituir todos os tratamentos existentes. Pelo contrário, constitui mais uma ferramenta, que, em doentes bem selecionadas, acreditamos que tem muito bons resultados.

 

Estão indicadas todas as senhoras com incontinência urinária de esforço?

Não. A indicação é a incontinência urinária de esforço com predomínio de deficiência intrínseca do esfíncter. Existem dois grandes mecanismos para a incontinência urinária de esforço feminina: um é a falta de suporte da uretra e, nestes casos, vamos continuar a precisar de cirurgias que deem suporte à uretra. Esta cirurgia reduz o calibre da uretra. Portanto, a indicação são mulheres que têm um calibre superior, em que o esfíncter, não funcionando, fica sempre aberto.

 

Como é que é feito o seguimento das doentes? 

É muito diferente das outras cirurgias para a incontinência urinária. Estas doentes podem, invariavelmente, ter alta no próprio dia e, além disso, a melhoria é imediata, o que é muito interessante. Falando do procedimento, é fácil de perceber que, ao injetar o gel, a uretra fica com o formato pretendido e, a partir do primeiro momento, aquele é o resultado final da cirurgia. Ou seja, o caso não vai melhorar nem a agravar nos dias seguintes. Por outro lado, é um procedimento muito pouco invasivo, pelo que a dor pós-operatória é nula. No primeiro follow-up é possível perceber logo o resultado da cirurgia, quando observamos a doente e de acordo com o que nos conta. Além disso, não exige grandes cuidados pós-operatórios. Recomendamos algum repouso relativo e limitação de atividades mais extenuantes nos primeiros dias. É um procedimento com um excelente pós-operatório.

“Muitas não procuram ajuda médica por falta de consciencialização, por aceitação da sua incontinência, ou por pensarem que não tem tratamento adequado, entre outros. O subdiagnóstico é um problema”

Não é um tratamento que tenha de se repetir com determinada frequência?

Este tratamento já existia há alguns anos, no Reino Unido, local onde foi dificultada, ou quase proibida, a realização de outras cirurgias, nomeadamente com fitas sintéticas. Nessa perspetiva, os cirurgiões voltaram-se para outras alternativas e acabaram por dinamizar a utilização de bulking agents no tratamento da incontinência urinária. Por esta razão, já existe, deste mesmo produto (porque não são todos iguais), follow-up com cerca de sete anos. Ou seja, são sete anos de manutenção dos resultados, o que é extraordinariamente simpático e animador, uma vez que já é bastante robusto. Mas, se acontecer a cirurgia perder um pouco o efeito, ou se a injeção for subótima, em termos técnicos, é sempre possível repetir e complementar o tratamento prévio.

 

Qual é a prevalência da incontinência urinária de esforço feminina?

Isso é uma questão para um milhão de dólares, porque está muito subdiagnosticada. É extremamente prevalente, mas é preciso que as doentes se queixem. Muitas não procuram ajuda médica por falta de consciencialização, por aceitação da sua incontinência, ou por pensarem que não tem tratamento adequado, entre outros. O subdiagnóstico é um problema.  É sabido que, em números muito grosseiros, a incontinência urinária pode afetar até cerca de 30% das mulheres. Porém, tudo depende do critério que é utilizado, ou seja, se considerarmos que “perder uma gota ocasionalmente com a bexiga muito cheia” é incontinência urinária, então, provavelmente, vamos ter uma prevalência muito mais elevada. Agora, eu diria que se apontarmos para os 30% de incontinência clinicamente significativa, mesmo em doentes que não procuram tratamento, poderemos estar perto da prevalência real. A reter, acima de tudo, é que é uma situação muito frequente.

 

Para já, em Portugal, este tratamento foi apenas feito no CHULN? 

De acordo com o meu conhecimento, por enquanto e à data da entrevista, ainda terá sido feito apenas no CHULN, mas é uma cirurgia que vai ser realizada na maioria dos centros muito em breve.

 

Como é que vê a evolução deste tratamento? 

Não tenho dúvida de que vai ser utilizado muito frequentemente, porque tem tudo o que é preciso: é um tratamento com uma baixa taxa de complicações, com baixa ocupação de tempo operatório, ou seja, é rápido e a curva da aprendizagem também é curta.

Texto: Sílvia Malheiro

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