14 Mar, 2023

“Devemos sensibilizar os doentes a pedir ajuda médica para a incontinência urinária”

No âmbito deste Dia Mundial da Incontinência Urinária (IU), que se assinala a 14 de março, em entrevista ao Saúde Online, Miguel Silva Ramos, presidente da Associação Portuguesa de Urologia, fala dos avanços que se têm verificado no que respeita ao tratamento e seguimento desta patologia e salienta que os médicos devem continuar o seu trabalho de sensibilização, para que as pessoas não deixem de procurar ajuda médica para a IU.

Qual a prevalência da incontinência urinária (IU) em Portugal?

A IU é definida como a perda involuntária de urina, que costumamos dividir em três tipos: a de esforço; a de urgência; e a associada, tanto ao esforço, como à urgência.

“Afeta cerca de 35% das pessoas com mais de 60 anos, sendo duas vezes mais comum nas mulheres do que nos homens.”

A prevalência aumenta com a idade, estimando-se que 50-85% dos idosos que residem em lares sofram desta patologia. Prevê-se um aumento de prevalência com o envelhecimento da população.

Quando falamos em IU no geral, assim como no seu tratamento e seguimento, quais são os principais desafios que se colocam aos médicos atualmente?

Temos vários desafios! Na maior parte dos casos, o diagnóstico é fácil, mas nem sempre. Existem incontinências complexas, que estão associadas a vários problemas, por exemplo do foro neurológico, ou a disfunções do pavimento pélvico complexas, que tornam o desafio diagnóstico importante.

Por outro lado, em termos de tratamento temos problemas mais importantes. A IU de esforço típica é fácil de resolver, também temos várias soluções para o tratamento da IU de urgência. Contudo, o caso da mista ou associada a outras patologias, é mais complexa porque nem sempre é possível ter um tratamento individualizado. É preciso fazer uma avaliação, que é um pouco subjetiva, do grau de intensidade de cada um dos componentes dessa incontinência. Essas são as situações mais difíceis de decidir em termos terapêuticos.

Mas, temos outros desafios como é o caso das pessoas de idade avançada, com algum grau de demência, ou problemas de mobilidade, em que é necessário fazer um tratamento mais holístico, tratando num todo o bem-estar geral do doente, em que a incontinência é apenas uma pequena parte.

Qual a sua opinião no que respeita à abordagem destes doentes atualmente?

Melhorou bastante nos últimos anos. Tenho ideia de que havia dois grandes problemas em relação à incontinência. Por um lado, as pessoas não se queixavam e nem chegavam a ser observadas pelo médico, situação que melhorou e que penso estar relacionada com algum trabalho que temos vindo a fazer, no sentido de sensibilizar a população para a patologia. De facto, aumentou muito o número de pessoas que procuram o médico para se queixar de sintomas de incontinência e que, agora, são observadas e avaliadas.

Por outro lado, têm-se criado clínicas mais especializadas no tratamento destes doentes, o que leva a que os profissionais de saúde tenham acesso a formações mais especializada na área, sobretudo no que respeita ao tratamento da incontinência, que leva a que os resultados sejam melhores.

Portanto, houve uma evolução muito positiva ao longo dos últimos 20 anos, quer no que respeita ao diagnóstico e à avaliação, quer também ao tratamento destes doentes.

Qual é o estado da arte da terapêutica?

Nos últimos 20 anos, houve uma grande evolução. Temos terapêuticas eficazes e relativamente maduras para a incontinência. Não temos solução para todos os casos, mas temos para quase todos e, quando não é possível curar, pelo menos, conseguimos tratar e melhorar significativamente a qualidade de vida.

Quais os próximos passos a dar no que respeita a este assunto?

Os próximos passos estão relacionados com a prevenção. Quando pensamos em envelhecimento saudável e em boa qualidade de vida, temos nos lembrar também da prevenção da incontinência, nomeadamente do cuidado com o aumento do peso e com a reabilitação pélvica. É um desafio que a comunidade tem de abraçar, não só nesta, mas em todas as áreas da saúde.

Além disso, existem situações particulares em que não temos uma boa resposta e em que é preciso melhorar a resposta terapêutica, sobretudo nos casos de IU de urgência, uma vez que, os casos refratários aos tratamentos são realmente difíceis de tratar. Talvez seja possível, no futuro, resolver situações que não conseguimos atualmente.

No seu entender, qual é o papel do médico de família no que respeita à abordagem a estes doentes?

A Medicina Geral e Familiar (MGF) é extremamente importante. Em primeiro lugar, no âmbito da prevenção e da informação, porque, em muitos casos, sobretudo nos dos jovens, ainda é possível tratar com medicação ou com reabilitação, sem que sejam necessárias terapêuticas invasivas. Por outro lado, quando a incontinência está associada à bexiga hiperativa, o primeiro tratamento farmacológico é habitualmente instituído pelos médicos de família.

A MGF tem um papel muito importante na primeira fase do diagnóstico e na orientação destes doentes. Também noto um grande esforço, por parte da comunidade de MGF, para se formar nesta área. Penso que estão muito mais capazes de tratar e falar desta doença do que há uns anos.

Que mensagem deixa aos colegas?

No âmbito deste Dia Mundial da Incontinência Urinária, queremos fazer lembrar que ainda existe incontinência oculta. No Séc. XXI isso não é admissível, uma vez que se trata de uma situação que não é saudável e que as pessoas sofrem com a doença. Embora seja verdade que ainda não é possível curar 100% dos doentes, a grande maioria consegue melhorar ou ficar curada.

É preciso sensibilizar a população para o facto de a incontinência ser uma patologia muito comum, não havendo razão para sofrer em silêncio. Há formas de tratar. É preciso expor o problema.

A IU tem muitas implicações: a física, que é desagradável; mas também a social, porque o doente não sai de casa, por medo de perder urina. Além disso, há ainda a questão da intimidade, onde há o mesmo receio, entre outras. Estas situações levam a depressão. Aliás, há uma associação muito clara entre incontinência, depressão e qualidade de vida.

Há uma associação à diminuição da quantidade de vida, que tem a ver com o facto desta patologia poder ser um fator de risco para fraturas, alterações do sono, entre outros.

Resolver o problema da IU pode ter impacto em várias esferas da nossa vida. É essencial que se faça este investimento, apostado também na sensibilização do doente, de forma a que não tenha vergonha de falar com o médico.

 

Texto: Sílvia Malheiro

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