9 Fev, 2024

Hipertensão. “Em equipa é possível mudar o panorama do risco cardiovascular”

Rosa de Pinho é a Presidente do 18.º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global, da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, que decorre entre amanhã e domingo, no Algarve. Em entrevista, fala sobre as novas guidelines europeias da ESH 2023 e sobre o papel de diferentes profissionais de saúde no controlo do risco cardiovascular.

O que podemos esperar do Congresso de Hipertensão e Risco Cardiovascular?

Esperamos, à semelhança dos anos anteriores, que seja um momento de partilha sobre as novidades da área da hipertensão (HTA) e risco cardiovascular. Destaco o facto de ser o primeiro evento depois da publicação das novas guidelines da European Society of Hypertension (ESH) 2023. Queremos manter o rigor científico, mas também proporcionar aos colegas de diferentes áreas que esclareçam dúvidas e que partilhem experiências.

 

Relativamente às novas guidelines de 2023, quais as principais mudanças?

Não existem propriamente muitas novidades. O diagnóstico continua a basear-se no consultório, dando-se cada vez mais importância à responsabilização do doente, e fora do consultório mantém-se o recurso a  AMPA/MAPA. Os valores alvo cut-off continuam a ser os mesmos, dependo obviamente do local onde é feita a medição da pressão arterial. No que diz respeito aos fármacos, não há mudanças nas substâncias, a questão é mais no uso da single pill combination, reforçando que a monoterapia deve ser prescrita apenas em situações muito particulares. A população portuguesa, assim como outros europeus, têm um risco cardiovascular moderado, com mais que um fator de risco, o que exige, pelo menos, dois fármacos para controlar a pressão arterial. Nestas guidelines está bem vincado que se deve optar, na maioria dos doentes, pela terapêutica dupla. Como um dos grandes problemas é a não adesão, alerta-se para a relevância da single pill combination de longa ação.

Outro ponto fundamental, e que surge deste vez de forma mais aprofundada do que é habitual, é o follow-up do doente hipertenso, dando-se particular ênfase ao envolvimento de diferentes profissionais de saúde. Não basta envolver médicos, é preciso contar com enfermeiros e farmacêuticos, num trabalho de partilha. Quanto ao timing para se manter o doente controlado, ao fim de três meses de diagnóstico ou de alteração de terapêutica convém existir um bom controlo da patologia. E, obviamente, destaca-se o problema da não adesão, que é a principal causa para não controlo da HTA, abordando-se estratégias que podem ser aplicadas na prática clínica. Também se chama a atenção para a inércia clínica, para que os médicos comecem a medicar mais cedo e com as terapêuticas mais adequadas.

“Perante um doente com um valor no limite, por exemplo uma sistólica de 145 mmol/L, existe a tendência de se desculpar o doente, achando que esse valor se deve a uma comida mais salgada ou ao stress de ter ido a correr para a consulta”

Olhando para o panorama das doenças cardiovasculares em Portugal, o que mais destaca é a não adesão à terapêutica?

Existem três problemas. Primeiramente, a população geral ainda não percebeu a importância de se vigiar a pressão arterial, o que exige da nossa parte um investimento maior na literacia em saúde. A HTA é uma patologia que não dói, não dá sintomas na maioria das vezes e quando estes surgem já é grave. É preciso medir a pressão arterial com regularidade. Da parte dos profissionais de saúde, é fulcral combater a inércia médica. Perante um doente com um valor no limite, por exemplo uma sistólica de 145 mmol/L, existe a tendência de se desculpar o doente, achando que esse valor se deve a uma comida mais salgada ou ao stress de ter ido a correr para a consulta. Mas, muitas vezes, já é mesmo preciso fazer medicação. Outra questão é o utente que inicia medicação e, como não tem sintomas e se sente bem, deixa de fazer o tratamento. Temos de trabalhar nestes três pontos para se melhorar o panorama geral da saúde cardiovascular.

No Congresso vão realizar-se dois simpósios: o Luso-Brasileiro e o Luso-Húngaro. Qual a sua relevância?

Ambos surgem na sequência das relações internacionais da Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPHTA) ao longo dos anos. Existe uma relação muito estreita com o Brasil, pela nossa História. No caso da Hungria, apesar de ser um país que não tem características semelhantes ao nosso em termos culturais, têm-nas no que diz respeito ao risco cardiovascular. É importante esta troca de experiências.

Mais uma vez vai ser um Congresso multidisciplinar. Essa é o mote para combater a HTA e o risco cardiovascular?

Sim, é verdade. Teremos sessões com farmacêuticos, porque um dos temas atuais é a prescrição partilhada entre médicos e farmacêuticos. E contamos com outros profissionais, como enfermeiros e nutricionistas. Em equipa é possível combater o problema da HTA e mudar o panorama do risco cardiovascular.

MJG

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