28 Fev, 2024

Doenças raras. “Infelizmente, não temos um registo nacional”

A existência de um registo nacional de doenças raras é o desejo de todos os profissionais de saúde que têm de dar resposta a patologias que são mais que desafiantes. Em entrevista, a internista Luísa Pereira, coordenadora do Núcleo de Estudos das Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, aborda esta problemática.

Qual é a prevalência atual das doenças raras?

Portugal rege-se pela definição de doença rara da União Europeia. Assim, é considerada uma doença rara, uma patologia que afete uma em cada duas mil pessoas. O que se estima é que cerca de 6 a 8% da população possa ser afetada por estas doenças, ou seja, em Portugal estaríamos a falar de cerca de 600 a 800 mil pessoas. Do ponto de vista internacional, os números rondam os 30 milhões na Europa e 30 milhões nos Estados Unidos. Assim, se tivermos em conta todas as pessoas acometidas por doença rara, estes números acabam por ter um significado bastante importante. Se individualmente cada doença rara é, tal como o nome indica, rara, se juntarmos todas as patologias e todas as pessoas, acabamos por ficar com um número bastante mais significativo.

Relativamente ao Registo Nacional de Doenças Raras, qual é a sua avaliação?

Os registos são muito importantes em qualquer doença, porque nos permitem perceber melhor as características das doenças, assim como a sua prevalência, incidência, e outras características do ponto de vista de evolução. Existir um registo é crucial. Infelizmente, não temos um registo nacional, apesar de ser algo que queremos há bastante tempo. Espero que a nova Estratégia para as Doenças Raras nos venha trazer essa possibilidade. Caso tenhamos um registo, é possível termos acesso a muito mais informação compilada, para além de avançarmos no seu conhecimento (mecanismo da doença, evolução natural, quais as possibilidades de novas terapêuticas, etc.).  O registo nacional tem a vantagem de se ter uma noção mais concreta da realidade destas patologias, o que facilita a adequação da marcha diagnóstica e nos ajuda em termos de tratamento.

“Infelizmente, apenas 5% das doenças raras têm terapêutica dirigida disponível, os outros 95% não têm”

Como vê a criação do grupo de trabalho intersetorial para as doenças raras?

Este novo grupo de trabalho é muito importante, principalmente pelo que possa vir a ser desenvolvido. Inclui pessoas muito experientes e com uma visão bastante global daquilo que são as doenças raras e as necessidades dos doentes e das suas famílias e cuidadores, seja a nível de educação para a patologia ou a nível social.  É um grupo que nos vai trazer algumas respostas, capacidade de intervenção e definição de uma nova estratégia para as doenças raras para se fazer face às diferentes necessidades dos profissionais de saúde e dos próprios doentes e familiares.

“O tempo que um doente passa sem ter um diagnóstico, principalmente se houver um tratamento que possamos administrar e que mude a trajetória da sua doença, é um desafio”

Quanto aos medicamentos órfãos, nos dias de hoje existe uma boa acessibilidade?

Infelizmente, apenas 5% das doenças raras têm terapêutica dirigida disponível, os outros 95% não têm. Porém, aqueles que foram aprovados a nível europeu acabam por nos chegar a Portugal. Quando é requerida a autorização por parte do Infarmed, habitualmente os doentes têm facilidade em aceder aos mesmos.

Enquanto médica desta área, quais são os maiores desafios quando se lida com este tipo de doenças?

A maior dificuldade, enquanto profissionais de doenças raras, é a informação de que dispomos, e que é importante, desde logo, o diagnóstico. São muitas as doenças raras que já estão descritas. Existem cerca de 7 mil e, portanto, toda a informação ou conhecimento médico que possamos ter por vezes é pouco para conseguirmos fazer diagnósticos corretos.  O tempo que um doente passa sem ter um diagnóstico, principalmente se houver um tratamento que possamos administrar e que mude a trajetória da sua doença, é um desafio. Daí ser tão importante que hoje em dia os profissionais apostem em formações. O Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna tem apostado em ações formativas. É preciso estar atento para diagnosticar. Após esta fase, havendo terapêuticas, conseguimos ajudar bastante os doentes e, muitas vezes, até mudar a trajetória da patologia. Obviamente que para os doentes há sempre muitos desafios ao longo da doença, até porque muitos dos tratamentos acabam por não ser curativos.

MJG/CG

Notícia relacionada

“Muitos profissionais de saúde carecem de uma formação específica em várias áreas das doenças raras”

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais