23 Nov, 2023

“As patologias do foro coloproctológico são orientadas de forma apropriada, ainda que com significativo atraso”

Nuno Rama, cirurgião, presidente desde XXXII Congresso Nacional de Coloproctologia, fala sobre o evento deste ano e dos principais desafios enfrentados pelos especialistas da área, tendo, também, em conta a atual crise do Serviço Nacional de Saúde.

Enquanto presidente deste XXXII Congresso Nacional de Coloproctologia. Como está a ser a experiência da organização?
Tem sido excelente! É a primeira vez que sou presidente de um congresso, apesar de frequentemente estar envolvido na organização deste tipo de eventos. Tem sido uma experiência muito interessante. A Comissão Organizadora (CO) deste XXXII Congresso Nacional de Coloproctologia desenvolveu um trabalho de equipa extraordinário ao longo dos últimos 11 meses.

Para ter uma noção, em dezembro de 2022 tínhamos, praticamente, o esboço do programa definido, com mais de metade dos palestrantes selecionados. Todos os capítulos relacionados com a organização do evento foram minuciosamente planeados.

Neste período, registou-se uma entreajuda constante e articulação perfeita entre os elementos da CO, o nosso secretário, Rui Pais, e a Diventos.

 

Quais as suas expectativas para este congresso?
Posso dizer que são elevadas. Esperamos uma participação significativa dos colegas com interesse e dedicação à Coloproctologia, estando convicto da pertinência, abrangência e atualidade do programa científico.

 

Em média, quantos participantes são esperados?
Penso que, provavelmente, iremos atingir os 400 participantes.

 

No seu texto de apresentação, escreveu que o programa científico foi elaborado com foco nos “problemas da prática clínica quotidiana”. Quais são os principais desafios que os profissionais desta área enfrentam diariamente?
O nosso programa dá enfoque à diversidade de temas relacionados com a Coloproctologia, que, apesar de ser, para muitos, uma área do saber recente, na realidade já é versada desde as civilizações mais antigas.

Portanto, o nosso programa aborda, sobretudo, problemas da prática. As temáticas são as doenças inflamatórias intestinais, a patologia benigna, o cancro colorretal, ou seja, situações com as quais realmente nos deparamos diariamente.

O primeiro grande desafio é assegurar a excelência nesta área médica, através do investimento na formação contínua e na inovação tecnológica. Para o efeito são necessários recursos humanos e financeiros, entre outros, e a crise instalada no Serviço Nacional de Saúde pode interferir neste capítulo.

“O nosso programa dá enfoque à diversidade de temas relacionados com a Coloproctologia.”

E a questão dos tabus, ainda muito vividos pela sociedade no que respeita a algumas das doenças da área, também é um desafio?
Considero que esse é o segundo desafio: O combate à relativa iliteracia da população na área da Coloproctologia. Concordo que esta área ainda encerra um conjunto de tabus que limitam e protelam o acesso dos doentes aos cuidados de saúde diferenciados. Não é raro que a perda de sangue pelo ânus seja interpretada como, uma doença hemorroidária, quando pode traduzir, em algumas situações, uma neoplasia colorretal.

As ações de informação à população que temos levado a cabo, podem melhorar o conhecimento da população e promover a “saúde coloproctológica”, em Portugal.

E este congresso, obviamente, dirigido para profissionais também tem um conjunto de abordagens que poderá melhorar esse grau de literacia. Ainda não estamos na fase, de alguns congressos internacionais, em que trazemos os doentes para o congresso, mas penso que num futuro próximo vamos começar a investir um pouco na participação do doente nas nossas formações médicas. Convidámos este ano os nossos parceiros, os enfermeiros, o que traduz a transdisciplinaridade da nossa sociedade.

 

Exatamente, vão realizar cursos pós-graduados pré-congresso, um deles para enfermeiros “Enfermagem em Coloproctologia”. Qual a importância de envolver os enfermeiros nesta área?
A nossa Sociedade é transdisciplinar na sua origem, é composta por cirurgiões e por gastrenterologistas, e, por conseguinte, integrar parceiros quotidianos na nossa Reunião Magna é certamente uma forma de envolver os Enfermeiros na discussão de assuntos que contribuem para a prestação de Cuidados de Saúde com qualidade. Ou seja, trazê-los para junto de nós, com o objetivo de participarem na discussão desses problemas. É esse o nosso principal objetivo.

Para o efeito, elegemos, para desenvolver num curso pós-graduado, quatro tópicos na esfera da Coloproctologia, frequentes na prática clínica diária, uns mais gastrenterológicos, outros mais cirúrgicos, como por exemplo a questão do posicionamento em cirurgia, até ao cuidado com o estoma, ou seja, aos ensinamentos ao doente com estoma.

Temos como principais objetivos promover a discussão interdisciplinar, atualizar conhecimentos e partilhar práticas e dificuldades.

 

Quais os cursos ou sessões que destaca?
Nesta edição do CNCP repetimos o Curso de Investigação Clínica, anteriormente realizado e que teve enorme sucesso, e elaborámos mais quatro cursos de índole predominantemente prática, na área das doenças sexualmente transmissíveis, na terapêutica instrumental, nas técnicas transanais para resseção e na terapia de pressão negativa. Repare que sempre com equilíbrio entre temas de cirúrgicos e gastrenterológicos.

Mas, sem dúvida que, o destaque vai para os cursos práticos pós-graduados sobre ecografia endorretal e tratamento da doença perianal associada à doença de Crohn, no dia 22 de novembro, e que decorrerão no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu. Estes cursos focam precisamente algumas das áreas que elegemos e onde existe inovação tecnológica, entre outras.

 

É vosso objetivo estreitar ligações com as sociedades congéneres de outros países. Qual a mais-valias de partilhar conhecimento com colegas do Brasil e de Espanha?
A integração de colegas espanhóis e brasileiros no programa científico da 32.ª edição do nosso CNCP teve como principal objetivo partilhar competências e conhecimentos na área da Coloproctologia e simultaneamente cumprir duas das principais linhas de ação desta Direção: uma das linhas é promover o crescimento e divulgação da SPCP e representá-la no País e no estrangeiro; a segunda, estreitar relações com outras Sociedades Científicas, permitindo a divulgação da SPCP junto das mesmas, nomeadamente através do estabelecimento de relações institucionais e colaborando na organização de eventos científicos.

Portanto, neste caso, não só vamos para fora, como estamos com as duas sociedades irmãs, a espanhola e a brasileira. Desta forma, conseguimos divulgar a sociedade junto das mesmas e estabelecer relações institucionais e colaborar um pouco no futuro da organização de eventos científicos, criando um networking de eventos, que é extremamente interessante.

 

Como avalia o estado da Coloproctologia no Serviço Nacional de Saúde? Os doentes são bem diagnosticados, encaminhados e tratados?
Apesar da crise que atravessamos no SNS, das muitas dificuldades pelas quais estamos a passar, a impressão que domina entre os pares, é que as patologias do foro coloproctológico são orientadas de forma apropriada ainda que com significativo atraso na resposta. Em termos de forma, eu diria que é apropriada, o que traduz o conhecimento dos profissionais desta área, que são atualizados, organizados, competentes, com qualidade. O que poderá não estar a correr tão bem será o atraso significativo na resposta ao que são os cuidados desejados.

Ou seja, não parece diferir muito de outras áreas médicas. Talvez neste último aspeto assente a principal assimetria com outros países europeus.

 

Voltando ao congresso, o Dr. António Banhudo é o presidente de honra deste evento. Qual a razão desta homenagem?
De forma unânime, o Dr. António Banhudo foi proposto para Presidente de Honra desta edição do CNCP, um título honorífico atribuído a membros destacados que, ao longos dos anos de vida da SPCP, se distinguiram pela sua colaboração e participação nas atividades da Sociedade e, desta forma, marcaram positivamente a sua trajetória.

O nome do Dr. António Banhudo surgiu naturalmente pela sua notável colaboração e participação ao longo dos anos nas atividades da SPCP.

 

Sílvia Malheiro

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