Instante 1, o Início
Por: Fernanda Mendes Barata
Quando brotou a meia noite adormeci, e era o dia seguinte: o primeiro dos dias seguintes que se seguiriam e nem eu, como mais ninguém no mundo, podia saber.
Não se escutava movimento de rua, carros, pessoas, afazeres de portas a bater e até os cães do andar acima se tinham inesperadamente emudecido.
Sim, o súbito e o silêncio uniam as suas vozes. Percebi que o mundo encolhera ao tamanho de um papel amarrotado e que eu própria diminuíra para um ponto de estranheza que não encontrava confinamento nesta metafísica de trazer por casa e que era a vida de todos os dias.
Decidi meditar: costas direitas, palmas das mãos abertas ao encontro do céu, pálpebras a tangerem o crepúsculo a fim de lançar-me nas entranhas do meu-interior. Quis ver passar o medo, a esperança depois, a intromissão do imprevisível, a surpresa e o medo ainda porque as coisas vãs surgem repetidas na consciência, reiteradas como ladainhas pequenas e difusas. Quis ver depois o esfumaçar da véspera, dos passados das vésperas de todos os dias anteriores a este em que adormeci e era o dia seguinte.
Lá fora: começam a morrer pessoas.