Instante 8, a Aceitação
Por: Fernanda Mendes Barata
Ligo-me à janela como se do mundo inteiro se tratasse. Grupos aglomeram-se às portas das lojas, cumprindo a distância imposta de senha na mão à espera de vez, talvez para a incerteza possível de um crematório.
Pediram-me ajuda e eu fui: de frente para rostos às vezes desfigurados na transmissão, falei com uma e outra e outra pessoa. A distância é agora um sinal de proximidade e até – como é possível?… – de afeto e vinculação.
Apercebo-me da indiferença com que falam sobre números de mortos no constante ligar e desligar das notícias e isto percebe-se, apenas, num contexto egocêntrico: Eu. Cada um de nós diz eu… e eu… também digo.
Nunca compreendemos somas gigantes de grandes números: uma criança com menos de 15 anos morre a cada cinco segundos em todo o mundo. Ninguém se mexeu. Nada aconteceu. Neste exacto momento: 70.8 milhões de pessoas estão em fuga por motivos de guerra, fome e violação dos direitos humanos. Ninguém sabe quem são. Nada mudou. Anualmente, pesam na nossa consciência inerte 8.6 milhões de mortes em países de baixo e médio rendimento. Não fizemos nada.
Só vemos o outro imediato à distância de um horizonte distante em que eles não nos contagiam com os seus desesperos e doenças. Apesar da globalização – e talvez por causa dela – continuamos a não ver uma pessoa + uma pessoa + uma pessoa… milhões de pessoas, com olhos, boca, pernas, braços e dor, pais e mães, sofrimento, esperança e dignidade.
Estivemos sempre escondidos do outro dentro das nossas casas…
Lá fora: alguém disse: vão trabalhar!