Cancro de mama. “Temos constatado que aparecem cancros em estádios mais avançados”

Em entrevista, o radiologista do IPO de Lisboa e presidente da Sociedade Portuguesa de Senologia sublinha o aumento do fluxo de doentes no primeiro trimestre deste ano - muitos já com doença avançada – e admite dificuldades dos serviços para darem uma resposta “adequada e atempada”.

Quais os seus objetivos para este mandato à frente da Sociedade Portuguesa de Senologia (SPS)?

É dar continuidade ao trabalho da SPS, que procura esclarecer a sociedade civil e apoiar as mulheres com cancro de mama (que muitas vezes se encontram desapoiadas). Por outro lado, estamos muito virados para os profissionais. O que distingue a SPS de outras sociedades científicas é que a SPS cruza, de forma transversal, várias especialidades – desde a Radiologia, Anatomia Patológica, Cirurgia, Oncologia. Preocupa-nos todo o percurso da doente com cancro de mama, desde a deteção até ao tratamento, estadiamento e seguimento pós-tratamento. Procuramos realizar atividades formativas para os especialistas mais novos, isto é, profissionais que se queiram dedicar à área da senologia. Também temos ações mais vocacionadas para os profissionais no terreno e que visam estreitar experiências com as unidades de senologia, de modo a que possam tratar os doentes da melhor forma e que lhes possam oferecer equidade no acesso ao diagnóstico e tratamento, independentemente do local onde vivam.

A SPS criou também vários grupos de trabalho, desde a deteção precoce (indicações de rastreio) até ao tratamento do cancro de mama precoce e do cancro de mama avançado, no sentido de criarmos consensos sobre alguns pontos onde possa existir controversos ou sobre os quais não existam guidelines muito claras e que possam ser transpostos para a nossa realidade. Um desses grupos está ligado à OncoGeriatria, num grupo de doentes que tem exigências concretas no diagnóstico, seguimento e tratamento.

Temos também as nossas Jornadas/Congresso, de caráter científico, onde partilhamos as nossas experiências profissionais com alguns convidados estrangeiros.

Quais as maiores carências que identifica na área do cancro de mama em Portugal?

Uma das carências que a SPS identificou há algum tempo nas unidades de mama dos SNS foi a falta de acesso a uma base de dados onde fique registada toda a informação dos doentes. A SPS identificou quais as opções do mercado e selecionou a mais completa. Essa base pertence a um grupo privado, com quem a SPS estabeleceu um protocolo. Ano após ano, as unidades de mama que se candidataram têm vindo a aceder a essa base de dados.

 

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Para além disto, sentimos dificuldades no acesso dos doentes aos mesmos meios de diagnóstico e tratamento em diferentes unidades. Os hospitais não conseguem oferecer todos os mesmos recursos. Depois, há a questão do acesso aos tratamentos inovadores e dos ensaios clínicos – poucos centros conseguem reunir um número maior de ensaios clínicos. É uma área com pouco impacto em Portugal, até comparando com outros países (por exemplo, Espanha). Isto tem a ver com a própria organização do sistema de saúde no nosso país.

Qual o impacto já conhecido da pandemia de SARS-CoV-2 na área do cancro de mama, nomeadamente no diagnóstico e casos de cancro detetados em estado mais avançado?

A pandemia provocou atrasos no diagnóstico e no tratamento. No final de 2021 e ao longo do primeiro trimestre de 2022, temos constatado que aparecem cancros em estádios mais avançados. Isto tem impacto a vários níveis da doença oncológica (há mais doença metastática, mais necessidade de radioterapia e de tratamentos sistémicos). Nota-se uma sobrecarga não só na Cirurgia mas também na Oncologia e na Radioterapia. Eu trabalho num IPO e sinto que o fluxo de doentes neste ano de 2022 aumentou substancialmente. Neste momento, temos dificuldade em dar uma resposta adequada e atempada.

São pessoas que não tiveram consultas, que adiaram os seus exames. Os rastreios de cancro da mama, da Liga Portuguesa contra o Cancro, pararam durante alguns meses. Tudo isso se está a refletir agora. Muitas pessoas que nos chegam tinham feito o último exame em 2020 ou até em 2019.

Perante este cenário, como prevê que evolua a mortalidade por cancro de mama em Portugal nos próximos anos?

Portugal tem uma mortalidade relativa baixa (fruto do rastreio e diagnóstico precoce). Isto apesar de termos uma incidência alta de cancro de mama. Estamos entre os países com taxa de mortalidade mais baixa, até em comparação com outras doenças oncológicas, e temos altas taxas de sobrevida a cinco e dez anos.

Só daqui a alguns anos é que vamos conseguir perceber o verdadeiro impacto da pandemia na mortalidade. Mas é natural que os indicadores piorem quando refletirem este período. Neste momento, é preciso trabalhar na área do diagnóstico precoce (é necessário aumentar a taxa de deteção).

SO

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