23 Mar, 2022

AVC. “Falta sobretudo maior capacidade de autogestão da saúde aos nossos cidadãos”

Em entrevista, o vice-presidente da Sociedade Portuguesa do AVC admite a importância das consultas de MGF e de especialidade para a prevenção do AVC mas sublinha que o essencial são “cidadãos e famílias capazes de identificar os seus fatores de risco e motivadas e com condições sociais e culturais para os corrigir”.

Como tem evoluído a prevalência de AVC em Portugal? Espera um aumento da incidência nos próximos anos, na sequência também de dois anos de pandemia, que originaram um aumento do sedentarismo e deterioração do controlo dos fatores de risco?

A prevalência diz respeito ao número de pessoas com sequelas da doença e tem aumentado, uma vez que as pessoas sobrevivem mais ao AVC e vivem mais anos com as sequelas de um AVC. A incidência tem estado relativamente estável. Existe uma redução associada sobretudo ao controlo do tabagismo na população, mas que é contrariada pelos efeitos do envelhecimento. Mesmo otimizando a prevenção primária e secundária, a idade é um fator de risco muito importante.

Quanto aos efeitos da pandemia, penso que têm de ser estudados especificamente. Em alguns casos, nomeadamente o de pessoas com mais de 50-60 anos e que acumulam fatores de risco de difícil controlo (e.g.: diabetes, hipertensão arterial, obesidade, apneia de sono, fibrilação auricular, insuficiência cardíaca) pode ter ocorrido aumento de risco durante a pandemia. Mas em termos gerais pode ter ocorrido um efeito positivo ao nível da preocupação dos cidadãos com a sua saúde e mais capacidade de identificação e autogestão dos fatores de risco vascular.

Como se explica o aumento da prevalência de AVC em pessoas mais jovens? Existem dados relativos a esta realidade?

Existem dois fatores. O primeiro está relacionado com a maior ocorrência de fatores de risco em idades mais jovens, como o tabagismo, obesidade, exposição a tóxicos e infeções. O segundo está relacionado com a maior capacidade de diagnóstico atual. Hoje em dia uma pessoa jovem com um défice neurológico, mesmo que ligeiro, tem maior probabilidade de ser observada em fase aguda e de realizar os exames necessários a comprovar o acidente vascular cerebral.

Portugal é o país da Europa ocidental com maior mortalidade por AVC. Como se explica esta situação e o que poderia ser feito para a reverter?

Penso que temos demonstrado uma redução da mortalidade por AVC, muito fruto da organização dos cuidados de fase aguda e Unidades de AVC. Na verdade existem mais sobreviventes ao primeiro AVC. Garantir o acesso da população a prevenção primária e secundária e a qualidade do tratamento agudo são o caminho a seguir para reduzir a incidência e aumentar a sobrevivência sem sequelas.
No entanto, acontece que cada vez mais indivíduos com idade muito avançada e muitas comorbilidades sofrem AVC o que pode originar uma maior mortalidade neste subgrupo de pessoas mais frágeis.

Como é que avalia a atual capacidade de resposta do SNS ao nível do tratamento e recuperação dos doentes? 

Existem grandes áreas do país onde os serviços estão bem organizados e onde existem bons indicadores de qualidade de acesso a tratamento de fase aguda. No entanto é importante replicar os bons resultados de organização e qualidade a todo o território, nomeadamente às regiões interiores, sul e ilhas.

No âmbito da reabilitação o problema é de uma dimensão maior e mais complexa, pois é necessário garantir e manter serviços de qualidade por longos períodos de tempo após um AVC. Esta área carece de maior atenção, recursos e eventualmente reorganização dos recursos disponíveis.

Quais os maiores desafios na prevenção do AVC? O que falta para colocar a prevenção primária no centro da questão?

Penso que falta sobretudo maior capacidade de autogestão da saúde aos nossos cidadãos. Claro que é importante o acesso a consultas de medicina geral e familiar e de especialidade na área das doenças vasculares. Mas o que faz mais falta é cidadãos e famílias capazes de identificar os seus fatores de risco e motivadas e com condições sociais e culturais para os corrigir.

SO

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