“Uso da analgesia multimodal para tratamento da dor é fortemente recomendado”

A Dra. Inês Adão da Fonseca descreve a importância da existência de uma Unidade de Dor Aguda no acompanhamento do doente, cirúrgico e não cirúrgico, mas também na formação e sensibilização dos profissionais para o tratamento da dor aguda.

Qual é o papel de uma Unidade de Dor Aguda?

As Unidades de Dor Aguda (UDA) têm como principal missão promover o tratamento eficaz e seguro da dor aguda. A dor é uma experiência angustiante para qualquer doente, e a dor pós-operatória não controlada pode contribuir para o desenvolvimento de dor crónica.

O tratamento eficaz da dor reduz o risco de complicações, facilita a recuperação/reabilitação, permite reduzir o tempo de internamento hospitalar, aumenta a satisfação e melhora a qualidade de vida dos doentes.

A missão das UDA estende-se ainda para objetivos como a realização de auditorias para avaliação da efetividade das estratégias adotadas, a implementação de programas de formação e atualização dos profissionais de saúde, a disponibilização de informação a doentes e cuidadores, e a promoção da investigação.

Para o adequado tratamento da dor aguda, a existência de uma estrutura organizacional apropriada e de uma equipa dedicada que utilize os conhecimentos existentes de acordo com o “Estado da Arte” é tanto ou mais importante que o desenvolvimento de novos fármacos ou técnicas analgésicas. A Anestesiologia é a especialidade mais habilitada a liderar a UDA, nomeadamente pela experiência no manuseio de fármacos analgésicos e na execução de técnicas invasivas.

Que estratégias usam na sensibilização dos profissionais de saúde para a importância do controlo adequado da dor aguda (cirúrgica e não cirúrgica) como fator importante na qualidade de vida do doente e também qualidade da atividade clínica?

A criação deste tipo de unidades aumenta a consciência entre os profissionais de saúde de que uma abordagem adequada da dor é importante para melhorar o outcome final do doente. Essa sensibilização é feita através de uma boa articulação com os serviços clínicos – com reuniões regulares, cooperação e trabalho em rede entre os membros da UDA e os serviços clínicos – e da promoção da formação de médicos e enfermeiros.

São realizados regularmente cursos no âmbito da dor aguda e, adicionalmente, formações específicas de acordo com as necessidades formativas identificadas. Para além disso, estão publicados no portal eletrónico do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto todos os documentos relativos à UDA.

Como é feita a articulação com os outros serviços, nomeadamente no que diz respeito à referenciação dos doentes?

As UDA devem ser multidisciplinares. No IPO-Porto a UDA depende do Serviço de Anestesiologia, sendo coordenada por um anestesista – Dr. Rui Valente, o qual trabalha de forma próxima com um número restrito de anestesistas, e ainda com dois enfermeiros coordenadores. A UDA conta com colaboração regular de todos os elementos do Serviço de Anestesiologia do IPO-Porto nas suas atividades diárias.

Os enfermeiros coordenadores estabelecem a ponte com os “enfermeiros de ligação” dos vários serviços, que por sua vez estabelecem ligação com todos os enfermeiros dos serviços que recebem doentes submetidos aos dos Protocolos de Analgesia. Fazem ainda parte desta estrutura os médicos assistentes dos doentes em questão, na sua maioria cirurgiões.

Ao longo dos anos a UDA tem vindo a abranger um número cada vez maior de serviços, envolvendo a participação e colaboração de múltiplos grupos profissionais, em número crescente.

A UDA elabora Protocolos de Analgesia, nos quais são incluídos, pelos médicos assistentes, os doentes com dor aguda por eles identificados. Graças à colaboração do Serviço de Farmácia, os protocolos estão previamente introduzidos no sistema de prescrição eletrónica, o que facilita a prescrição por parte dos médicos assistentes. Uma vez incluídos nos protocolos de analgesia, os enfermeiros prestadores de cuidados diretos aos doentes são responsáveis por avaliar regularmente a intensidade da dor (em repouso e em movimento), fornecer a medicação analgésica (a horas fixas e de resgate), monitorizar a eficácia analgésica, os efeitos laterais e complicações. O Serviço de Anestesiologia providencia apoio médico especializado 24 horas/dia.

E quais são os maiores desafios no controlo da dor aguda?

A importância das UDA é reconhecida, como unidades funcionais capazes de assegurar cuidados de alta qualidade, e sendo a sua existência considerada um critério de boa prática hospitalar. Para além da necessidade de que todos os hospitais tenham UDA estruturadas e multidisciplinares, pretende-se que a sua área de abrangência seja maximizada, envolvendo a dor aguda pós-operatória e a dor aguda não pós-operatória.

Para além disso, as UDA devem trabalhar em estreita colaboração com as Unidades de Dor Crónica, quer no âmbito da abordagem do doente de dor crónica com dor aguda, quer no da evolução da dor aguda para dor crónica. É essencial o investimento na investigação, e a partilha de conhecimentos e experiências entre os diferentes hospitais.

Que relevância tem para o outcome terapêutico a utilização de fármacos com diferentes mecanismos de ação, como por exemplo a associação fixa dexcetoprofeno/tramadol?

O uso da analgesia multimodal para tratamento adequado da dor é fortemente recomendado. A analgesia multimodal define-se pelo uso de várias medicações e técnicas analgésicas, com diferentes mecanismos de ação no sistema nervoso periférico e/ou central, as quais podem também ser combinadas com intervenções não farmacológicas. Esta estratégia envolve efeitos aditivos ou sinérgicos, e quando comparada com modalidades em que se usa apenas uma intervenção, promove um alívio da dor mais eficaz. O uso de associações, por exemplo de anti-inflamatórios não esteróides com tramadol, como a associação dexcetoprofeno/tramadol, surge na linha de pensamento da analgesia multimodal, pretendendo-se obter uma analgesia eficaz, uma boa adesão terapêutica, e menos efeitos adversos.

E como é feito o seguimento do doente em casa? Que formação dão ao doente e ao cuidador?

Na Consulta de Anestesia, prévia à cirurgia, o anestesista tem oportunidade de informar o doente, esclarecer dúvidas, e explicar as opções possíveis em relação aos Protocolos de Analgesia Pós-Operatória. Deste modo consegue-se a preparação, o envolvimento e a motivação do doente, e ainda o apoio do seu cuidador.

Por exemplo, no caso de se utilizar uma máquina de “Patient-Controlled Analgesia”, é entregue ao doente um folheto específico, com esclarecimentos práticos sobre o seu uso, de modo a que o doente esteja preparado e capaz de realizar um uso correto desse dispositivo no pós-operatório. No caso dos doentes incluídos em Protocolos de Analgesia Pós-Operatória em Ambulatório, todos os doentes são contactados 24h após a cirurgia, sendo avaliados os resultados e fornecidas orientações no caso de existirem complicações.

RV/SO

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