21 Jun, 2023

Esclerose lateral amiotrófica. “É muito importante a intervenção multidisciplinar desde fases precoces”

Assinala-se, hoje, o Dia Mundial da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). José Miguel Lopes, médico de Cuidados Paliativos e coordenador Regional Cuidados Paliativos ARS Norte, alerta para a importância dos Cuidados Paliativos desde o diagnóstico.

Que impacto tem a ELA na vida do doente e na dos cuidadores?

A ELA é uma doença ameaçadora da vida, devastadora, com enorme impacto na vida dos doentes e também daqueles que os rodeiam. Afeta diferentes domínios da vida destas pessoas, não só ao nível da saúde física, mas também emocional, social e económica. A doença cursa com perda progressiva da autonomia e da capacidade do doente em realizar atividades simples como andar, comer, falar e respirar. Frequentemente surgem sintomas de frustração, ansiedade e medo em relação ao futuro, sentimentos de perda de dignidade. À medida que a doença progride, a necessidade de ajuda aumenta e as famílias sentem muitas vezes desgaste e dificuldades na prestação de cuidados. A exigência é tal que muitas vezes é muito difícil ao cuidador conseguir conciliar a sua vida pessoal com o papel de cuidador. Tudo nos cuidados diários acarreta custos económicos e se pensarmos também nas adaptações na casa, nos equipamentos médicos especializados, tudo representa enormes encargos financeiros para doente e família, que ficam muitas vezes desprotegidos e perdidos.

 

Está à frente dos Cuidados Paliativos da ARS Norte. Quantos doentes acompanham com doença?

É um número difícil de precisar, mas posso seguramente dizer que as equipas de Cuidados Paliativos existentes chegam a cada vez mais doentes. Desde há alguns anos que as equipas intra-hospitalares demonstraram ser uma enorme mais-valia no acompanhamento de doentes com ELA desde fases mais precoces da doença. Nestes últimos anos temos vindo a fazer um esforço em alargar a resposta a nível comunitário, de modo a podermos também acompanhar estes doentes em fases mais avançadas da sua doença no domicílio.

“É muito importante conseguirmos chegar antecipadamente ao doente e perceber no momento adequado o que ele necessita”

Com que idades?

A idade média do início dos sintomas é por volta dos 60 anos e a maioria dos casos é diagnosticada entre 40 e 70 anos de idade. No entanto é importante destacar que a doença não é exclusiva dessa faixa etária e pode afetar pessoas mais jovens também.

 

Quais são os cuidados de que mais necessitam na fase paliativa?

Acima de tudo, cuidados centrados na pessoa e no seu bem-estar, que promovam a qualidade de vida e procurem aliviar o sofrimento do doente, não só físico, mas também psicológico, espiritual e social, através de cuidados especializados com o melhor rigor científico disponível. Cada doente é único e não podemos esquecer isso. A medicina está cada vez mais desenvolvida e cada vez temos disponíveis mais e mais cuidados, que podem ajudar o doente, mas que também podem, em alguns casos, ser causadores de sofrimento. É muito importante conseguirmos chegar antecipadamente ao doente e perceber no momento adequado o que ele necessita, o que o pode ajudar e o que lhe faz sentido face aos seus objetivos de cuidados perante a doença. Para isto é muito importante a intervenção de toda a equipa multidisciplinar desde fases precoces da doença e o plano antecipado de cuidados.

 

Essa fase paliativa deve começar em que altura?

Deve começar logo após o diagnóstico, não devendo ser protelada para fases terminais da doença. Há decisões muito importantes, por vezes, a serem tomadas e é muito importante começarmos a falar delas antes das situações de crise, onde sabemos que não é o melhor momento para tomar decisões difíceis.

“As equipas existentes estão ainda, em muitos locais, subdimensionadas, o que leva muitas vezes a que não tenham essa capacidade de resposta, de modo tão presente e efetivo”

E tem sido possível dar Cuidados Paliativos nesse tempo? Existem recursos humanos suficientes?

As equipas existentes estão ainda, em muitos locais, subdimensionadas, o que leva muitas vezes a que não tenham essa capacidade de resposta, de modo tão presente e efetivo, como seria desejável. No entanto, com as limitações que têm tentam dar a melhor resposta, tendo um papel muito importante na identificação de necessidades, no processo de tomada de decisão e no apoio na definição de objetivo de cuidados para o doente. Além disso, são também muito importantes na capacitação da realização de uma abordagem paliativa de qualidade, por parte de outros profissionais envolvidos nos cuidados a estes doentes e famílias.

O que deveria melhorar no apoio aos doentes com ELA e aos seus cuidadores na sua opinião?

Uma medida que faria uma enorme diferença na vida destes doentes e famílias passava pela organização das consultas das especialidades que atendem estes doentes. Seria muito bom as especialidades envolvidas organizarem-se em função das deslocações do doente ao hospital e não o doente deslocar-se ao hospital em função dos horários das consultas das diferentes especialidades, evitando-se deslocações desnecessárias dentro e fora do hospital.

 Texto: Maria João Garcia

Artigo relacionado

Centro Hospitalar do Algarve cria equipa de cuidados paliativos para crianças com doença terminal

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais