Depressão. “Há sempre esperança, mesmo que a doença o convença do contrário”

‘Viva! Para lá da depressão’ é o nome e o mote de um projeto que tem como objetivo aumentar a literacia em saúde mental. No âmbito desta iniciativa, a psiquiatra Inês Homem de Melo fala sobre a esperança que existe sempre na depressão e como é importante procurar ajuda o quanto antes.

Qual a prevalência da depressão em Portugal?

Segundo o maior estudo epidemiológico de saúde mental em Portugal – o Estudo Nacional de Saúde Mental (Caldas de Almeida e Miguel Xavier) -, cerca de 8% dos portugueses adultos terão um quadro depressivo em cada ano. Esta prevalência corresponde a uma das mais altas da Europa.

 

Fala-se muito em jovens e adultos, mas também há situação das crianças e dos idosos com depressão…

A depressão pode afetar qualquer pessoa, seja qual for a sua idade, estatuto socioeconómico, etnia ou profissão. A sua prevalência é maior entre os 18 e os 44 anos e nas mulheres, embora possa afetar também crianças e idosos.

“Os primeiros socorros psicológicos que devemos prestar enquanto familiares e amigos são a escuta empática, sem julgamento e o encaminhamento para ajuda especializada”

Como se pode distinguir as normais mudanças de humor de um episódio depressivo?

A tristeza faz parte da vivência humana, surgindo como reação normativa (e até útil) face a acontecimentos do quotidiano e às perdas inevitáveis ao longo do ciclo de vida. Tristeza não é sinónimo de depressão! Na depressão, a tristeza assume um carácter persistente, invasivo, dominando toda a experiência interna e afetando o nível de funcionalidade do doente. Além disso, na depressão a tristeza surge acompanhada de um conjunto de outras manifestações clínicas: perda do interesse em atividades outrora prazerosas, diminuição da energia, sentimentos de culpa, dificuldades de concentração e sintomas do próprio corpo: alterações do apetite, do sono, do desejo sexual, do trânsito intestinal e até dores.

 

Que mecanismos existem para contrariar esta perturbação e como podemos ajudar alguém que está a viver uma depressão?

Os primeiros socorros psicológicos que devemos prestar enquanto familiares e amigos são a escuta empática, sem julgamento e o encaminhamento para ajuda especializada. A campanha ‘Viva! Para lá da depressão’ é particularmente poderosa por ter o foco na recuperação! É luminosa, solar e transmite esperança. Dá voz a profissionais de saúde de múltiplas disciplinas – Psicologia, Nutrição, Desporto, Medicina Geral e Familiar e Psiquiatria – promovendo um olhar completo sobre a doença em toda a sua complexidade. O tratamento da depressão quer-se multidisciplinar, numa intervenção concertada entre a medicação, a psicoterapia e alterações do estilo de vida e esta campanha não deixou nenhuma ferramenta terapêutica de fora! Por fim, é uma campanha onde podemos ouvir falar algumas figuras públicas acerca da sua experiência com a depressão, algo que ajuda muito a diminuir o estigma.

 

A dificuldade de acesso a cuidados de saúde mental pode ser uma das razões para que esteja a aumentar o consumo de antidepressivos e benzodiazepinas, ou seja, poderia haver situações que, tratadas atempadamente, não iriam exigir o uso destes medicamentos durante tanto tempo?

Sem dúvida! Para explicar o aumento da prescrição de antidepressivos e benzodiazepinas é importante referir as dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, bem como a gritante falta de profissionais de saúde mental não-médicos no SNS, sobretudo de psicólogos. Numa fase inicial da depressão, a doença pode ainda ser tratada sem recurso a medicação, investindo-se na psicoterapia (habitualmente feita por psicólogos). Numa fase mais avançada, de maior gravidade, já será necessário medicar com antidepressivo. Se, por um lado, o atraso na chegada aos cuidados de saúde mental pode explicar que tenhamos de medicar pessoas que, tratadas precocemente, não teriam tido essa necessidade, por outro lado, a falta de psicólogos deixa-nos sem respostas não-farmacológicas para quem efetivamente acede aos cuidados atempadamente.

“Por saberem pouco sobre saúde e doença mental (e por terem tantos mitos e preconceitos), os portugueses atrasam muito a procura de ajuda”

O estigma associado tem diminuído ou ainda há muito trabalho a fazer?

O estigma tem diminuído, sobretudo graças a uma nova geração de jovens informados e investidos na sua saúde mental. A pandemia também ajudou muito a trazer este tema para a arena pública. No entanto, há ainda um longo caminho a percorrer no que toca à literacia em saúde mental dos portugueses. Por saberem pouco sobre saúde e doença mental (e por terem tantos mitos e preconceitos), os portugueses atrasam muito a procura de ajuda. Tempo é saúde: quanto maior o período sem tratamento, pior o prognóstico. Quanto menos literacia, mais estigma. Foi assim que resolvi começar a promover a literacia com a minha própria voz.

 

Ainda existem muitos mitos?

Mitos acerca da doença mental, mitos acerca do tratamento (tanto acerca da medicação como da própria psicoterapia) e mitos acerca de nós, os psiquiatras. É um tema que me apaixona: analisar as razões históricas para a existência desses mitos e procurar descontruí-los!

 

Que mensagem gostaria de deixar a quem sofre de depressão?

Consulte um profissional em quem confie. A depressão tem tratamento e quanto mais cedo, melhor! Há sempre esperança, mesmo que a doença o convença do contrário.

MJG

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