1 Ago, 2023

Cancro do pulmão: “Estima-se que em 2040 seja a principal causa de morte por cancro no homem”

No âmbito do Dia Mundial do Cancro do Pulmão, que se assinala hoje, Miguel Abreu, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, fala desta neoplasia. Segundo refere é, atualmente, a 2.ª mais frequente no homem e a 4.ª na mulher, tendo sido responsável por 4391 mortes em 2019. Para 2040, na Europa, as estimativas apontam que este cancro representará a 3.ª neoplasia nas mulheres e a 2.ª mais prevalente nos homens, tornando-se a principal causa de mortalidade por cancro no homem e a 3.ª na mulher.

Qual a importância de se assinalar o Dia Mundial do Cancro do Pulmão?
Como oncologista, considero que os dias mundiais atribuídos aos vários tipos de cancro são momentos de sensibilização da opinião pública para estas doenças, devendo ser aproveitados para refletir aspetos diversos desde a prevenção e o diagnóstico precoce, ao tratamento e seguimentos dos sobreviventes.

 

O cancro do pulmão é, em Portugal, a principal causa de morte por doença oncológica. Qual a sua incidência e prevalência?
Em Portugal, em 2019, segundo o Registo Oncológico Nacional, documentaram-se 5.208 novos casos de cancro do pulmão com claro predomínio do sexo masculino (3708 vs 1500), com mais de 87% dos doentes a apresentarem mais de 50 anos, correspondendo a uma taxa de incidência padronizada para população europeia por 100,000 habitantes de 51 nos homens e 17,1 nas mulheres. É a 2.ª neoplasia mais frequentes no homem e a 4.ª na mulher, sendo responsável por 4391 mortes em 2019. As estimativas para 2040, para a Europa, descrevem que o cancro do pulmão representará a 3.ª neoplasia nas mulheres e a 2.ª mais prevalente nos homens europeus, tornando-se a principal causa de mortalidade por cancro no homem e a 3.ª na mulher.

“É a 2.ª neoplasia mais frequentes no homem e a 4.ª na mulher, sendo responsável por 4391 mortes
em 2019″

 

Qual o tipo de cancro do pulmão mais frequente e o que coloca mais desafios aos médicos no seu tratamento e seguimento?
Classicamente, o cancro do pulmão é dividido em dois subtipos histológicos: carcinoma de não pequenas células e de pequenas células. O de não pequenas células é o de mais frequente, representando 80-85% dos casos, sendo 40% destes adenocarcinomas e cerca de 30% espinocelulares. Nestes tumores a caracterização molecular faz parte da rotina atual, sendo as mutações do EGFR e do KRAS as mais frequentemente documentadas, em 10-35% e 15-25% respetivamente. Com a evolução terapêutica, da última década, são vários os desafios atuais na abordagem destes doentes. Acima de tudo, como presidente de uma Sociedade científica, preocupa-me as questões relacionadas com o acesso aos novos fármacos e o assegurar que todos os doentes portugueses são tratados de acordo com os standards internacionais. Considero que é uma área em que toda a evolução tecnológica exige uma reflexão de toda a sociedade para discutirmos, de forma estratégica para o país, quais os tratamentos que realmente consideramos que se traduzem em ganhos em saúde e que, por isso, devem ser oferecidos a todos.

“Preocupa-me as questões relacionadas com o acesso aos novos fármacos e o assegurar que todos os doentes portugueses são tratados de acordo com os standards internacionais”

 

Como vê a abordagem ao doente com cancro do pulmão em Portugal?
Pelas análises publicadas, baseadas num número restrito de instituições, documentam-se tempos que se afastam ainda das melhores práticas clinicas, por exemplo no cancro do pulmão em que o tempo desde a admissão hospitalar até ao inicio dos tratamentos em 2020, variou entre 42-61 dias e em que 88.5% dos clínicos não conseguiram aguardar pela determinação de biomarcadores, fundamentais para a definição da estratégia terapêutica, porque o tempo de espera se associou a um agravamento do estado funcional dos doentes. Reforço que foi esta inovação, da terapêutica baseada nesses biomarcadores, que permitiu que o número de doentes com cancro do pulmão vivos no 1.º ano após o diagnóstico aumentasse mais de 10 vezes comparativamente a 1995 em que apenas 5 em cada 100 estavam vivos após esse ano.

Assim, acredito que várias estratégias deverão ser implementadas, adaptadas à realidade das várias instituições para que melhoremos ainda mais as nossas métricas no tratamento destes doentes, possibilitando um diagnóstico mais célere e promovendo progressivamente a entrada de um maior número de doentes portugueses em ensaios clínicos.

 

O diagnóstico nem sempre é feito atempadamente, uma vez que a sua sintomatologia é, inicialmente, muitas vezes, confundida com outras patologias. O que é que podemos fazer para alterar esta realidade?
A sintomatologia do cancro do pulmão é por vezes escassa ou difícil de valorizar se pensarmos no exemplo clássico de um individuo fumador de longa data que tem uma tosse persistente desde há anos, ou que se tem sentido mais cansado com os esforços, ou perdido peso porque não tem tido apetite.

Como é uma doença frequentemente documentada em fase avançada, o envolvimento ósseo pode justificar uma dor que se instalou recentemente e necessita de analgesia diária.

Portanto, os sintomas são inespecíficos e associam-se a várias situações de doença quer aguda, por exemplo uma infeção respiratória ou a uma agudização de uma condição crónica como da bronquite crónica. Acima de tudo a mensagem deverá ser num indivíduo considerado de risco para este tipo de cancro, um sintoma que surja de novo ou uma agudização de uma queixa crónica que se torne persistente, deve ser o alerta para uma avaliação médica.

 

“Num indivíduo considerado de risco para este tipo de cancro, um sintoma que surja de novo ou uma agudização de uma queixa crónica que se torne persistente, deve ser o alerta para uma avaliação médica”

 

Quais os fatores de risco?
Existem vários fatores de risco estabelecidos para o cancro do pulmão, sendo o mais frequentemente descrito o consumo do tabaco. A magnitude do risco pode chegar a um aumento 20x superior quando comparado um individuo que fuma com quem nunca fumou. Como é um consumo voluntário pode ser evitado e, por isso, as medidas de prevenção do cancro do pulmão passam obrigatoriamente por evicção e restrição aos consumos.

Portugal apresenta uma das maiores taxas europeias de consumo de tabaco, cerca de 25.4% da população com 15 anos ou mais fumava em 2020. A proposta de lei do governo português de 2023, pretendia transpor a normativa europeia que equipara o tabaco aquecido ao convencional e restringir ainda mais a venda e locais de consumo. A disseminação de consultas de cessação tabágica poderá ser, também, uma medida de apoio para quem tem o desejo de terminar com o consumo.

 

“Portugal apresenta uma das maiores taxas europeias de consumo de tabaco, cerca de 25.4% da população com 15 anos ou mais fumava em 2020”

Como vê o futuro da prevenção, diagnóstico e tratamento do cancro do pulmão?
A aposta na prevenção e deteção precoce, é a única forma de aumentarmos radicalmente os ganhos em saúde nesta doença. Faz parte da estratégia do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direção-Geral da Saúde o alargamento dos rastreios ao cancro do pulmão. Conhecemos a população que deverá ser elegível para estes rastreios, mas temos ainda que organizar toda a estratégia nacional para assegurar os meios técnicos e humanos para a avaliação das TAC de baixa dose, disponibilizando serviços de qualidade no diagnóstico e tempos de espera adequados para referenciação a um serviço hospitalar no tratamento.

Em resumo é exigido que as políticas públicas de saúde, definam uma estratégia a longo prazo para estas doenças que são um verdadeiro problema de saúde pública. Todo o investimento nesta área, prevenção e diagnóstico precoce, compensará largamente os gastos que se têm anualmente a tratar a doença avançada.

 

Texto: Sílvia Malheiro

 

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