18 Abr, 2023

“A MGF nos Açores está repleta de profissionais dedicados, com mais formação especializada”

As 20.ªs Jornadas de Medicina Geral e Familiar (MGF) dos Açores vai decorrer entre 20 a 22 de abril, na ilha Do Pico. Ao SaúdeOnline, Tatiana Nunes, delegada regional da Associação nos Açores, destaca os temas do evento e dá a sua opinião sobre a MGF nos Açores, nomeadamente sobre a criação de unidades de saúde familiar.

Este ano quiseram apostar em temas “considerados carentes, na formação médica dos MGF”. Que temas são esses?

Durante a nossa formação especializada de 4 anos torna-se impossível termos formação em todas as áreas da Medicina. Sendo a Medicina Geral e Familiar (MGF) uma especialidade médica abrangente, mas centrada na pessoa, por vezes deixamos de parte áreas em detrimento de outras, ou pelo nosso interesse pessoal ou mesmo pela maior prevalência de determinadas doenças. À semelhança de anos anteriores, após cada evento fazemos uma prospeção das necessidades entre os colegas e percebemos, mais uma vez, que a área das disfunções sexuais traz sempre muitas dúvidas a todos. Este é um dos temas que vamos abordar na próxima semana. Outras áreas mais específicas que vamos discutir são a medicina do viajante, a medicina hiperbárica (muito presente na nossa região pela ligação ao mar, que é atração a muitos mergulhados, profissionais ou não) e o desenvolvimento infantil segundo o método Montessori, que hoje em dia é também muito discutido entre pais, médicos de família e pediatras.

 

No caso da temática sobre sexualidade, ainda existem muitas dificuldades em se falar sobre esta questão nas consultas, quer por parte do doente/utente como do médico?

A meu ver existe sempre uma barreira nas consultas quando chegamos a esse tema. Ou por “vergonha” do utente em abordar o assunto, ou pela falta em questionar se existe algum problema nesse âmbito, por parte do médico. É verdade que a falta de formação nessa área pode ser a causa do ‘evitar o assunto’ por parte do profissional de saúde.  Muitas vezes o medo ou a insegurança no modo de abordagem da questão, ou por dificuldades na gestão da mesma em como resolver ou ajudar a solucionar, podem ser a principal barreira do médico de família.  Por outro lado, penso que estamos em crescendo neste aspeto e cada vez mais são os médicos de família que questionam os utentes, bem como estes trazem os seus problemas à consulta.

“Em todo o nosso percurso académico e formativo da especialidade são raras as formações exclusivamente sobre a comunicação entre médico e utente, seja em que área for”

Tendo em conta que são o médico de família e que também fazem Planeamento Familiar, deveria haver mais formação em comunicação em saúde na área da sexualidade?

Sem dúvida. A comunicação entre médico de família e o utente é o primeiro pilar de uma boa relação médico-doente. Em todo o nosso percurso académico e formativo da especialidade são raras as formações exclusivamente sobre a comunicação entre médico e utente, seja em que área for. Portanto no que se refere à sexualidade também há esta carência.

 

Na área da Pediatria vão abordar o método Montessori. Quais as mais-valias para a criança?

O método Montessori tem por base o respeito pelo desenvolvimento da criança e as capacidades que vai adquirindo durante esse crescimento. Há uma adaptação do meio envolvente à sua estatura, capacidade manipuladora, deambulatória e mental, para todas as atividades que desenvolve. As mais-valias para as crianças são aquilo que nós todos queremos ficar a conhecer, através da palestra dada pela colega, com base científica.

 

No caso da Medicina hiperbárica, nos Açores existe resposta para estes doentes?

Em relação a esta questão não lhe consigo responder com veracidade. A Medicina hiperbárica está incluída em meio hospitalar e tem vários propósitos. Sei que existem duas câmaras hiperbáricas no momento nos Açores (uma na ilha do Faial e outra em São Miguel), mas se existe uma resposta adequada ou não aos doentes desconheço, por ser fora do âmbito dos Cuidados de Saúde Primários (CSP).

“Sem a base dos recursos humanos, penso ser difícil criarem-se e generalizarem-se as USF. Depois desta barreira ultrapassada, talvez seria uma mais-valia para todos”

Fazendo uma avaliação global, como vê atualmente a MGF nos Açores?

Atualmente, a MGF atravessa uma crise de identidade, como quase todas as especialidades médicas no sector público. A sobrecarga de trabalho é gigante, sobretudo à custa de burocracias que nos são impostas diariamente e que, consequentemente, diminuem o tempo útil para vermos o que verdadeiramente nos devia ser pedido – ver utentes. Falta-nos tempo para apostar na promoção da saúde e na prevenção da doença, que trará, sim, ganhos em saúde e redução de custos associados à doença.

 

Em Portugal Continental aposta-se muito nas USF. Seriam uma mais-valia para a região açoriana?

A criação de Unidades de Saúde Familiar implica, em primeira mão, um aumento dos recursos humanos nos CSP (médicos, enfermeiros, assistente técnico e assistentes operacionais). Em alguns locais, ou unidades de saúde, já se trabalha em núcleo de saúde familiar, mas não com esta denominação. Sem a base dos recursos humanos, penso ser difícil criarem-se e generalizarem-se as USF. Depois desta barreira ultrapassada, talvez seria uma mais-valia para todos. Mas temos de pensar que as nossas características insulares podem dificultar a sua aplicabilidade. Existem um conjunto de pressupostos que têm de estar presentes na criação de USF. Tem de ser um esquema muito bem pensado e, a título de opinião pessoal, talvez deveria fazer-se uma “unidade teste”.

 

O que podemos esperar da MGF nos próximos anos nos Açores?

Dedicação, luta e cuidados médicos de qualidade aos nossos utentes. A MGF nos Açores está repleta de profissionais dedicados, com mais formação especializada e mais interessados no utente. Temos um grupo de médicos cada vez mais jovem (fruto da existência da formação específica nos Açores) e com grandes capacidades técnicas e científicas. Um grupo de especialistas cada vez mais unido e centrado na melhoria dos cuidados prestados, com intuito de aumentar a literacia em saúde da população e, consequentemente, ter ganhos em saúde.

 

SO

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