Entrevista. Atuais terapêuticas motivam utentes para o tratamento

As atuais terapêuticas, “ao revelarem poucos ou nenhuns efeitos secundários, têm vindo a ser grandes aliadas na motivação dos utentes para o tratamento”, afirma a diretora clínica da DICAD da ARSLVT.

Qual o apoio prestado pela DICAD aos seus utentes no âmbito do rastreio e referenciação da hepatite C?

A Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (DICAD), integrada na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), desenvolve atividade no território desta região, em várias vertentes. O tratamento é uma das componentes, com particular e essencial destaque. Esta intervenção é feita através de 15 respostas em ambulatório (Equipas Técnicas Especializadas de Tratamento – ETET) às quais estão associadas mais sete consultas descentralizadas e três respostas em internamento (UD – Centro das Taipas; Unidade de Alcoologia de Lisboa e Comunidade Terapêutica do Restelo), duas das quais têm, em concomitância, atividade em ambulatório.

Em 2019, nestas unidades, havia cerca de 13.500 utentes ativos, dos quais cerca de 70% são consumidores de substâncias psicoativas ilícitas e 30% são pessoas com problemas ligados ao álcool.

No âmbito da atividade de rastreio de hepatite C e de outras doenças, estas estruturas têm como objetivo rastrear todos os novos utentes de cada unidade; e todos os utentes ativos em seguimento, pelo menos uma vez por ano, bem como todos os utentes que apresentem comportamentos de risco, quer a nível do padrão e via de consumo, quer a nível sexual.

Dra. Emília Leitão

Os exames complementares de diagnóstico são pedidos pelo médico de cada unidade/ETET e o utente tem que fazer a colheita em laboratório público ou convencionado. O registo dos resultados é feito em sistema informático específico (Sistema de Informação Multidisciplinar – SIM).

Se, inicialmente, a referenciação dos utentes era, na maioria dos casos, feita através do médico de família, atualmente, cada vez mais, é feita via e-mail ou outro tipo de contacto direto, entre a Unidade/ETET e o Serviço de Gastrenterologia/Infecto/Medicina Interna, conforme a realidade hospitalar de cada local.

Compete a cada técnico que acompanha o utente, monitorizar se as etapas descritas anteriormente se estão a concretizar, uma vez que uma faixa relevante da população que acompanhamos tem comportamentos desorganizados e não atribui particular relevância ao cuidado com a saúde. Contudo, as atuais terapêuticas para o tratamento da hepatite C, ao revelarem poucos ou nenhuns efeitos secundários, têm vindo a ser grandes aliadas na motivação dos utentes para o tratamento. À medida que vão existindo utentes que partilham com outros a sua experiência do tratamento da hepatite C – curto no tempo e sem efeitos secundários – a disponibilidade para o tratamento do grupo de utentes mais organizados na sua vida psíquica e social, tem vindo a aumentar.

Acredita ser possível eliminar a hepatite C até 2030 no contexto das Equipas Técnicas Especializadas de Tratamento?

Acredito ser possível.  Mas só se for feita a colheita para o RNA nas Equipas de Tratamento (ETs), ou se for utilizado método em que a pesquisa de RNA é feito nas ETs; se for realizada, nas Equipas de Tratamento, consulta por um profissional especializado na área das Hepatites; se for administrada, pelo menos em alguns utentes, terapêutica em TOD (Toma de Observação Direta); se for criada a possibilidade de, através do SIM (Sistema de Informação Multidisciplinar), termos acesso à Plataforma de Dados de Saúde do SNS, com o objetivo de monitorizar, com rigor, consultas, exames complementares de diagnóstico e terapêuticas administradas ao utente; e se for possível ultrapassar o problema dos utentes indocumentados.

No caso de não existir a possibilidade de consultas e colheitas de sangue nas ETs, se houver entidades, como por exemplo, ONG/IPSS, que possam acompanhar os utentes em todo o processo, particularmente, a nível hospitalar. E, por último, se existir capacidade de resposta a nível das consultas hospitalares, desburocratizando/agilizando todo o processo de acesso à consulta e prescrição do tratamento.

Quais os grandes desafios do tratamento nesta população em concreto?

Valorizar as especificidades desta população na sua relação com o corpo, com os cuidados de saúde, de higiene…(há uma faixa de utentes, na qual somos mais nós que damos importância à necessidade de se tratarem, do que eles próprios); não estigmatizar e desburocratizar, ou seja, melhorar efetivamente a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde e ao tratamento.

E ainda, aferir se nas ETs estão a ser efetuados procedimentos que permitam quer a maior acessibilidade possível dos utentes ao tratamento, quer a flexibilidade (ser flexível não é ser cúmplice) no manejo clínico das suas necessidades e perturbações.

Um dos principais motivos porque Portugal se distinguiu na intervenção a nível da toxicodependência, foi ter criado estruturas de acesso ao tratamento e, posteriormente, a nível da Redução de Riscos e Minimização de Danos, com grande enfoque na acessibilidade, na flexibilidade e na proximidade.

Quais têm sido as principais barreiras? O que falta fazer para atingir esta meta?

Como já atrás referi, as principais barreiras são o desconhecimento da especificidade desta população, na sua relação com o corpo, com a saúde e na sua relação com o tempo. A espera é insuportável! Ora, a burocracia no acesso às análises, às consultas, é feita de entraves, que são o aumento no tempo da espera, em utentes com uma incapacidade de viver a frustração, se algo não corre conforme o esperado.

O estigma é outra das barreiras – “é toxicodependente, está a consumir, não vale a pena investir…gastar dinheiro…”.

A Covid-19 veio atrasar tratamentos que estavam para ter início, e projetos que tinham como objetivo tentar ultrapassar parte destas barreiras.

Para as ultrapassar é também necessária formação dos profissionais e, em relação aos utentes, reforço o que já apontei anteriormente.

Embora se trate de uma aproximação por defeito, estimamos, no que à região de Lisboa e Vale do Tejo diz respeito, que cerca de 1.500 utentes necessitarão de tratamento para a hepatite C.

AO/SO

 

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