31 Jan, 2023

Entrevista. “Serão os médicos de MGF que vão seguir as pessoas com dor de forma mais assídua”

Filipe Antunes, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), defende que apenas os casos de dor crónica de maior complexidade devem ser referenciados ao hospital. Para tal, é preciso trabalhar em inter e multidisciplinaridade.

De acordo com o estudo “Chronic Care Pain” , que publicou o ano passado, 33, 6% dos doentes seguidos nos CSP têm dor crónica. O que pode explicar esta percentagem?

O estudo feito a nível dos cuidados de saúde primários (CSP) é uma amostra real do que se passa em concreto. Abrange diferentes realidades no país e é consistente nos resultados que apresenta. Estimou uma prevalência de dor crónica nos 33,6%, um valor muito próximo da prevalência estimada anteriormente, num estudo realizado através de entrevistas telefónicas e numa  população mais pequena (2012). Neste estudo “Chronic Pain Care”, observaram-se cerca de 8.500 utentes em consulta e cerca de 2850 apresentavam dor crónica. É o retrato do que realmente se passa nos CSP e portanto uma ferramenta credível e atual a utilizar na caracterização dos utentes que frequentam os CSP. Depende de cada um e dos CSP em particular, a sua utilização.

“… contamos com um leque mais ou menos alargado de diferentes especialidades médicas (interdisciplinaridade), de forma a poder corresponder o melhor possível à referenciação hospitalar”

É fisiatra. Como avalia a interligação entre CSP e as unidades de dor dos hospitais?

Sendo fisiatra, tenho na minha formação médica bem presente os conceitos de equipa interdisciplinar e multiprofissional. Esse é o segredo na abordagem da dor crónica e a marca indelével das unidades de dor crónica hospitalares. Formamos equipas abrangendo diferentes profissionais (multiprofissionais) e contamos com um leque mais ou menos alargado de diferentes especialidades médicas (interdisciplinaridade), de forma a poder corresponder o melhor possível à referenciação hospitalar que os colegas de MGF nos fazem. Claro que as realidades geográficas do país são diferentes e as disponibilidades de verdadeiras unidades de Dor também, mas de uma forma geral, diria que a interligação é boa. Nuns casos melhor, e seguramente aí incluirei as Unidades Locais de Saúde, e noutros menos bem, como no interior do país, onde os recursos humanos hospitalares nas unidades de Dor têm limitações na atividade assistencial que prestam.

“Só em casos de maior dificuldade na abordagem ou tratamento, é que as unidades de Dor hospitalares deverão entrar na equação diagnóstica/terapêutica”

Na sua opinião, o que deve ser feito para que haja mais apoio à dor crónica nos CSP? Consultas específicas como acontece com a diabetes e a hipertensão?

A referenciação hospitalar pode ser melhorada e estamos a trabalhar em conjunto (APED/MGF.Dor) nesse sentido. Também a referenciação de retorno aos CSP pode ser melhorada e, sobretudo mais especificada, até porque serão seguramente os médicos especialistas de MGF que vão seguir as pessoas com dor de forma mais assídua. Só em casos de maior dificuldade na abordagem ou tratamento, é que as unidades de Dor hospitalares deverão entrar na equação diagnóstica/terapêutica. Talvez um modelo lógico seja a partilha de experiências, por exemplo através de reuniões conjuntas, periódicas de discussão de casos clínicos mais difíceis ou problemáticos, em que se possa estabelecer um plano alargado de cuidados (recursos e tempo a disponibilizar), com metas e objetivos bem definidos.

 

No próximo encontro da APMGF, a APED vai reunir-se numa sessão oficial, pela primeira vez, com o MGF.dor. O que se espera desta partilha?

A partilha vai expor isso mesmo, aquilo que são as nossas preocupações, os nossos desafios, mas também o trabalho que temos estado a fazer em conjunto, para tentar melhorar o apoio à pessoa com dor. Verdadeiramente o que interessa é a pessoa com dor, no centro dos cuidados médicos.

 

SO

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