17 Jan, 2023

VIH/Sida. “Não estamos a diagnosticar de forma atempada para impedir cadeias de transmissão”

Teresa Branco, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da Sida (APECS), está preocupada com os números mais recentes de infeções por VIH. Para a internista, é preciso apostar mais em mensagens de prevenção que vão ao encontro de cada grupo de risco e no trabalho conjunto com a comunidade.

Tendo em conta o último relatório do INSA e DGS sobre VIH/Sida, divulgado no final de novembro, relativo a 2020 e 2021, registou-se uma redução de 44% no número de novos casos de infeção e de 66% de sida. Como avalia esta diminuição?

Estes números são claramente provisórios e estão subvalorizados, porque durante 2 anos não houve notificações, já que o SI.VIDA, o sistema de informação que permite a monitorização e acompanhamento de utentes com VIH/SIDA, está inoperacional. O mais preocupante é que mais de metade dos casos são de diagnóstico tardio. Não estamos a diagnosticar de forma atempada para impedir cadeias de transmissão.

Esses diagnósticos tardios devem-se ao período pandémico ou já eram uma realidade?

Já acontecia. Infelizmente, em Portugal nunca conseguimos ultrapassar este problema e continuamos a ser dos países da Europa Ocidental com mais casos.

“Nestes 2 anos de pandemia, as pessoas quase se esqueceram que existe a infeção por VIH. É verdade que já existe tratamento, mas não há ainda uma cura”

 

Mas qual é a causa?

Na minha opinião pessoal, temos de ter uma noção mais exata das cadeias de transmissão na comunidade para se conseguir diagnosticar mais cedo. Sabe-se, contudo, que a maioria dos novos casos de infeção em adolescentes e adultos registou-se em homens. Também têm aumentado o número de casos a partir dos 50 anos. Nestes 2 anos de pandemia, as pessoas quase se esqueceram que existe a infeção por VIH. É verdade que já existe tratamento, mas não há ainda uma cura. Infelizmente, fala-se do tema essencialmente no dia 1 de dezembro, Dia Mundial da Sida; todavia durante o resto do ano, continua a haver contágio. A própria profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP), que é muito importante na prevenção, ainda não é de todo conhecida  e o acesso em tempo útil, e de forma continuada, ainda não é a ideal.

As campanhas estão demasiado segmentadas nos jovens?

De facto, não se pode comunicar com os mais velhos como o fazemos com os mais novos. Os jovens continuam a ter a ideia de mais facilmente acontece aos outros do que a eles, mas mesmo assim ainda têm alguma noção de que podem estar em risco. O mesmo não acontece com os mais velhos. Deveríamos segmentar as mensagens consoante o público-alvo. Muitos nem sequer costumam ir ao médico, quanto mais ir ao hospital para pedir a PrEP. Os hospitais não estão vocacionados para a medicina preventiva nem podem sequer ter uma consulta de portas abertas por escassez de recurso humanos. A solução passa inevitavelmente pela ligação à comunidade, como ONG que dão apoio a sem-abrigo ou outras populações.

“A PrEP tem estado disponível nos hospitais, mas face à escassez de recursos humanos não é possível aceitar todas as pessoas em consulta”

 

No caso da PrEP, o que está em causa: a população desconhece esta medida ou existe dificuldades no acesso?

Muitos nem sequer sabem, é um facto. A PrEP tem estado disponível nos hospitais, mas face à escassez de recursos humanos não é possível aceitar todas as pessoas em consulta. Além disso, nem todos querem ir a uma unidade hospitalar, daí que se esteja a apostar na disponibilização em unidades de proximidade.

“Os cuidados de saúde primários são fundamentais também neste campo, mas eles próprios estão sobrecarregados”

 

Preocupante é também o que se passa em Lisboa e Vale do Tejo e Algarve, onde o número de casos de infeção são muito elevados. O que se passa concretamente?

Primeiramente, são regiões onde se concentra uma fatia importante da população, inclusive imigrante. Muitas pessoas vivem em comunidades fechadas, sem acesso facilitado e não vão aos cuidados de saúde. A própria medicina preventiva não faz parte da sua cultura. Portanto, tudo isto acaba por levar a esses números. Não estamos a rastrear em todo o lado. Os cuidados de saúde primários são fundamentais também neste campo, mas eles próprios estão sobrecarregados. Temos que trabalhar mesmo com toda a comunidade!

O estigma mantém-se. Será que isso também se deve à dificuldade de acesso a medidas de prevenção, como a PrEP?

De facto, mesmo a simples ideia de se pedir a PrEP pode ser estigmatizante por se pensar que está associada a comportamentos de risco, quando na verdade a pessoa está a proteger-se. As mulheres são claramente parte da população que mais pode sentir esse estigma. Tudo isto tem que ser desconstruído e debatido com a população.

“Quem trabalha diretamente com VIH/Sida, não, mas noutras áreas ainda se vê alguma desinformação do que é a infeção”

 

Mas esse estigma parte da própria pessoa, receando o que possam pensar, ou também dos profissionais de saúde?

Gostaria muito de lhe dizer que não há estigma por parte dos profissionais de saúde, mas… Quem trabalha diretamente com VIH/Sida, não, mas noutras áreas ainda se vê alguma desinformação do que é a infeção.

Tendo em conta o relatório do INSA/DGS, pode estar em causa a Meta 95-95-95 de 2030 da OMS/ONUSIDA em Portugal?

Sim, pode. Temos mesmo que investir, e muito, se queremos, em 2030, ter 95% das pessoas que vivem com VIH a conhecer o seu estado serológico, 95% das pessoas que sabem que o seu estado serológico é positivo a fazerem tratamento antirretroviral e 95% das que estão em tratamento terem cargas virais suprimidas.

SO

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