27 Jun, 2023

Unidades de cuidados continuados queixam-se de burocracia

Com uma população envelhecida e muitas situações de demência, são cada vez mais os casos em que as unidades de cuidados continuados acabam por ficar responsáveis por tratar de assuntos pessoais dos utentes relacionados, por exemplo, com rendas de casa, contas de água e luz ou até problemas no banco.

Responsáveis de unidades de cuidados continuados queixam-se de estar sobrecarregados com tarefas burocráticas relativas ao dia a dia de utentes que têm a seu cargo por decisão judicial, porque não têm família nem autonomia para tomar decisões.

Com uma população envelhecida e muitas situações de demência, são cada vez mais os casos em que as instituições – em muitos casos o diretor da instituição – acabam por ficar responsáveis por tratar de assuntos pessoais dos utentes relacionados, por exemplo, com rendas de casa, contas de água e luz ou até problemas no banco, contou à Lusa Dulce Vargas, diretora da Unidade de Cuidados Continuados da Cercitop em Algueirão-Mem-Martins, no concelho Sintra.

A responsável refere que, nestes casos, é preciso dar entrada na justiça do chamado processo de maior acompanhado, que antigamente levava a que fosse nomeado um tutor.

“Não havendo familiar presente, ou não havendo ninguém, mesmo da rede de vizinhança, que queira assumir essa responsabilidade, acaba por cair sobre nós”, conta a responsável.

E explica: “Perante um caso social que tem de ser referenciado para uma ERPI [Estrutura Residencial para Idosos] da segurança social, para se fazer essa inscrição, tem de haver uma assinatura, tem de haver alguém que represente o utente. E só depois de termos o número do processo de maior acompanhado é que se consegue fazer a inscrição para a pessoa ficar a aguardar vaga”.

Até que o processo arranque, o utente está na unidade de cuidados continuados, a ocupar um lugar cujo custo é calculado pela segurança social. Não tendo acesso à sua pensão para pagar a parte que lhe compete, fica com uma dívida à instituição.

É precisamente para resolver esta dívida, acedendo à pensão do utente, que se avança com o processo de maior acompanhado. Contudo, explica Dulce Vargas, o Ministério Público acaba muitas vezes por nomear o próprio diretor da instituição como responsável por essa pessoa, o que – lamenta – prejudica o trabalho de gestão da instituição.

“Sou contactada pelo Ministério Público, não só para resolver os casos em que a família assume esse acompanhamento, e em que também passa tudo por nós, mas também aqueles casos em que, no fundo, acabo por ser eu a nomeada”, conta.

Reconhecendo que não tem forma de rejeitar – “isto é uma forma de ajudar o utente, para conseguir ficar na rede até ter uma vaga na segurança social” – sublinha que esta responsabilidade acrescida prejudica o seu trabalho diário.

“Tenho que abrir uma conta conjunta com o utente (…), tenho de ir a casa do utente, pois se já está fora de casa desde o internamento hospitalar há algum tempo é preciso perceber se a casa tem condições, se há ainda contratos de eletricidade, de água ou de gás que têm de ser cancelados”, exemplifica.

Todas estas tarefas acabam por prejudicar o trabalho de gestão da unidade: “Eu e os meus colegas que trabalham na rede, porque sei de outros casos, noutras unidades, deixamos de trabalhar para a rede para trabalhar para estas situações do Ministério Público”.

Para o presidente da Associação de Cuidados Continuados (ANCC), José Bourdain, a solução seria “uma boa liderança”, “capacidade de decisão” e “uma equipa competente”.

“Uma equipa com boa liderança, de gente competente, que gerisse tudo o que é apoio domiciliário, centros de dia, centros de noite, ERPI e os cuidados continuados, em articulação com a rede hospitalar”, afirma.

Se isso acontecesse, diz que tudo seria melhor para os utentes: “Resolvíamos este problema e (…) o dinheiro dos nossos impostos seria muito menor para gastar nestas áreas do que é atualmente. Acho que deitamos muito dinheiro fora”.

 

LUSA 

Notícia relacionada

Aumento de 40% para novas camas de cuidados continuados “é curto”, diz Associação

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais