14 Jun, 2021

“Testes genéticos deveriam ser comparticipados nas áreas da Psiquiatria e da Oncologia”

Foram lançados no mercado português, em janeiro de 2021, os primeiros testes genéticos, que permitem desvendar através do painel genético a resposta biológica dada a fármacos de cinco áreas terapêuticas: Psiquiatria, Gestão da dor, Oncologia, Diabetes e Cardiovascular.

De acordo com a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, os testes genéticos devem ser implementados a nível nacional, sendo para isso necessária a difusão de informação junto da comunidade médica.

 

Uma adesão massiva da população portuguesa aos testes genéticos MyPharmaGenes PGx pode diminuir o aparecimento de efeitos adversos na saúde dos portugueses, provocados por medicamentos?

Sem dúvida alguma. A primeira e a mais importante de todas as vantagens relaciona-se com a segurança, porque em Portugal, como no resto da Europa e nos Estados Unidos da América, vive-se no chamado “mundo desenvolvido”, sob o ponto de vista dos mercados terapêuticos.

Neste grupo de países, as pessoas recorrem anualmente a cuidados de saúde hospitalares devido a reações adversas a medicamentos. Em alguns destes casos existe mesmo gravidade no quadro clínico e morte associadas, exatamente pelos episódios resultantes de intoxicações medicamentosas. Isto deve-se não só a erros de medicação, como também às interações que ocorrem entre os diferentes medicamentos.

Atualmente, existem pessoas a fazer 20/25 medicamentos diários diferentes e é natural que estas interações provoquem por vezes conflitos e desafios ao nível da segurança farmacológica. Mas, através da realização destes testes genéticos, conseguimos mapear, identificar e delinear antecipadamente as situações em que os indivíduos vão ter uma resposta eficiente e quais são as medicações, em cinco diferentes áreas terapêuticas, que os poderão colocar em risco. Se não houver esse conhecimento prévio, pode dar-se o caso de a pessoa tomar alguma substância que não vai ser metabolizada pelo organismo ou que não permita um correto e adequado tratamento, resultando numa falha ao nível da terapêutica.

Exemplificando, eu posso estar a tomar um determinado anticoagulante e desenvolver um episódio de enfarte agudo do miocárdio, ou seja, um ataque cardíaco. Ao tomar esse medicamento e se este não surtir efeito, eu também vou ter um problema de segurança. Posso ter um segundo enfarte, porque o medicamento não está a atuar no meu organismo da forma que deveria, por o meu código genético não ser compatível com a sua utilização.

Portanto, estamos perante uma situação de falta de segurança, bem como de falta de efetividade. Ou seja, eu tenho que ter a certeza que determinado medicamento é adequado à minha condição clínica, mas simultaneamente que o meu organismo está preparado para o digerir de uma forma segura, sem agravar ainda mais o meu estado de saúde.

 

Considera que os testes genéticos estão acessíveis a toda a população portuguesa?

Hoje em dia, estes testes já são muito mais acessíveis, sendo bem mais baratos do que há 10/15 anos. Na altura eram praticamente incomportáveis para um sistema de saúde ou para uma pessoa poder fazer a título individual.

Atualmente, eu diria que é muito fácil para a pessoa poder fazer o teste, desde que aceda a ele, porque na maior parte das situações não é, digamos um problema de preço.  Claro que se me perguntar se estes testes deviam ser comparticipados em algumas situações, eu acredito que sim. Existem essencialmente duas situações em que deviam de ser comparticipados sem qualquer dúvida, nomeadamente no tratamento de depressões, bem como de casos oncológicos.

Só em Portugal, 40% da população que realiza tratamentos à base de benzodiazepinas e antidepressivos, não está a ter efeitos benéficos com esta medicação, responde de forma desadequada ou não responde a estes fármacos. Muitas vezes, a sua doença até piora, e em vários desses casos o próprio médico não percebe porque não há uma resposta orgânica, levando-o a alterar o tipo de substância administrada, ainda que o organismo continue sem apresentar qualquer resposta.

A bateria de medicamentos para os quais este teste permite dar resposta é já muito grande. Estas são especificamente a área cardiovascular, a área endócrina [diabetes], a área da oncologia e a área da saúde mental. Acreditamos que nestas áreas terapêuticas, mais importantes ou com maior prevalência a nível nacional, esta tecnologia é de enorme valor.

 

Sendo estes testes ainda relativamente recentes, quais é que considera que são os maiores desafios quer na tomada de conhecimento, quer na sua prescrição por parte dos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS)?

Considero que o primeiro desafio passa pela oportunidade de os médicos conhecerem as vantagens deste teste. Se são os especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF) que prescrevem os testes genéticos, é muito importante que todos eles conheçam as vantagens dos mesmos para poder tomar essa decisão.

Relativamente ao conceito em si, considero que este ainda não está instalado. Muito provavelmente se hoje um dos utentes se dirigir ao seu médico de família este não vai saber do que se trata. Falo por experiência própria, porque, por exemplo, o meu médico de família não conhecia esta tecnologia.

Desta forma, o primeiro objetivo passa por estabelecer o conceito junto dos prescritores, médicos, porque só eles podem fazer esta avaliação, incorporá-la e identificar, em cada momento, qual é o doente que prioritariamente precisa de um teste.

O segundo passo dá-se através dos médicos e aqui também através dos farmacêuticos, pois para que os doentes possam conhecer o projeto e perceber a sua vantagem é necessário que haja uma difusão correta da informação. É necessário que as pessoas saibam que ninguém fica com os seus dados genéticos, pois estes permanecem apenas e só com a pessoa que o realizou. A tecnologia é segura e ninguém vai ter acesso a informação confidencial, sem que seja o doente a fazer essa partilha com o seu médico.

Em terceiro lugar, o próprio SNS precisa de acarinhar estes testes, ou seja, precisa de saber que é muito importante colocar nas nossas recomendações e guidelines a possibilidade de utilizar estes testes para termos racionalidade e uma utilização custo-efetiva dos medicamentos.

 

Pessoalmente, a Sr.ª Bastonária já realizou este teste genético?

Sim, eu fiz o teste e os resultados deste já estão disponíveis na minha app. Posso relatar-lhe um episódio que se passou comigo, em que fui a uma consulta de Cardiologia e quando o médico me ia prescrever um medicamento, lembrei-me que tinha os meus dados genéticos comigo. Verifiquei logo, ali, no momento, que em relação aos medicamentos que o médico se estava a preparar para me prescrever – e muito acertadamente de acordo com as guidelines – os resultados do meu teste mostravam que eu não respondia àquela classe terapêutica. Sendo assim, e tendo em conta o meu perfil genético, não fazia sentido eu fazer aquela medicação.

O que aconteceu foi que não existindo alternativa terapêutica de primeira linha e não sendo eu uma doente cardíaca, optou-se por uma estratégia não-farmacológica – dieta e atividade física – que me permitiram baixar os valores de risco que tinha elevados.

Daniela Tomé

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