7 Abr, 2021

“A genética tem responsabilidade em 30% dos casos pela falha na terapêutica”

"O que nós estamos a propor é um teste que atua de uma forma muito mais lata, em termos de saúde pública. É realizado para um painel bastante alargado de genes, para cinco áreas terapêuticas: Cardiologia, Oncologia, Psiquiatria, Gestão da Dor e Diabetes", afirma a CEO da HeartGenetics Ana Teresa Freitas.

Em entrevista à Saúde Notícias, a CEO da empresa de genética HeartGenetics e professora no IST, Ana Teresa Freitas, explicou quais os benefícios do mais recente e inovador teste genético em Portugal: MyPharmaGenes PGx. Este teste, lançado em janeiro de 2021, permite desvendar através do painel genético a resposta biológica dada a fármacos de cinco áreas: Psiquiatria, Gestão da dor, Oncologia, Diabetes, Cardiovascular.

 

Segundo dados do Infarmed, 11,1% das admissões hospitalares em Portugal devem-se a efeitos adversos dos medicamentos, sendo que mais de 53% destes casos poderiam ser prevenidos. Que esforços estão a ser tomados, na tentativa de contrariar estes valores?

Há um conjunto de esforços e estudos a nível internacional, que demonstram os benefícios da utilização da informação genética, no momento da prescrição da terapêutica.

A Holanda avançou muito depressa nesta área. Testes que avaliam apenas alguns fármacos são vendidos, por exemplo, nas farmácias. Na Áustria, igualmente. A Estónia utiliza esta informação para gerir cerca de 30% da população do país.

Há um estudo económico, para mais de 44 projetos que, ainda que tenha sido realizado há três anos – quando estes testes genéticos eram bastante mais caros (custavam cerca de dois mil euros) – mostrou, ainda assim, que se pouparia cerca de 27 a 30% dos custos gerais se se pudesse usar a genética na prescrição da terapêutica.

Antes do surgimento da pandemia, o Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) queria tornar os testes genéticos obrigatórios, tendo em conta que gasta cerca de mil milhões de libras, todos os anos, nos internamentos de gestão dos efeitos secundários dos medicamentos. Só neste país, registam-se, em média, oito dias a mais nos internamentos por efeitos secundários.

O que nós estamos a propor é um teste que atua de uma forma muito mais lata, em termos de saúde pública. É realizado para um painel bastante alargado de genes, para cinco áreas terapêuticas: Cardiologia, Oncologia, Psiquiatria, Gestão da Dor e Diabetes.

As pessoas apenas precisam de fazer este teste uma vez na vida e a informação é colocada de uma forma muito intuitiva, quer para o médico, quer para o doente. Existe ainda uma aplicação móvel (app) associada a este relatório, permitindo que quando a pessoa vá a uma consulta possa apresentar esses resultados facilmente ao médico que a acompanha.

 

Quais os motivos para ainda não ser recorrente o uso destes testes em Portugal?

Existe uma perceção errada de que estes testes são inacessíveis a toda a população quando, para este teste em específico, estamos a falar de custos numa ordem de grandeza de muito poucas centenas de euros.

Um projeto europeu muito relevante, de seu nome The Ubiquitous Pharmacogenomics (U-PGx), foi realizado em sete países europeus e afirmava que 90% dos médicos envolvidos achava determinante a realização destes testes, antes de uma prescrição médica. No entanto, apenas 10% comunicaram que já tinham ouvido falar destes testes, ou se depararam com o acesso a estes dados. É preciso, por isso, divulgar a existência destes testes no seio da comunidade médica, para que possam indicar a sua realização.

 

É sempre necessária uma prescrição médica para realizar o teste genético MyPharmaGens? Ou este pode ser feito a título individual?

A HeartGenetics não faz venda direta ao público; fazemos acordos com laboratórios e clínicas. Estes testes podem também ser prescritos através da tabela do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas para isso é preciso fazer chegar a informação aos hospitais.

A nível nacional temos parcerias com várias clínicas, uma vez que é sempre preciso uma prescrição médica. Temos, por exemplo, uma parceria com o grupo Germano de Sousa que, obviamente pede às pessoas que cheguem com uma prescrição médica.

As nossas ações junto da comunicação social servem para que este alerta possa surgir dos dois lados: tanto o pedido poder surgir por parte do doente que requer a prescrição diretamente ao seu médico, como também todos os médicos que necessitam de ter conhecimento que já o podem prescrever aos seus utentes.

Em Portugal, é no SNS que eu penso que este teste pode vir a ter enormes vantagens, nomeadamente na redução de custos sobre a administração dos medicamentos.

 

Quando é que estes testes foram lançados no mercado português?

Oficialmente, o teste genético MyPharmaGens da HeartGenetics, foi lançado no mercado em janeiro deste ano. Ainda assim, já está a ser usado desde setembro do ano passado, altura em que teve um pequeno lançamento, mas em ações muito particulares dentro de órgãos clínicos.

Este teste tem benefícios muito assinaláveis para todas as partes: desde logo para os utentes, pois é-lhes prescrita uma medicação muito mais acertada, tendo em conta é ele que sofre na pele com os efeitos adversos da medicação. Mas os próprios sistemas nacionais de saúde vêm diminuídos, em larga escala, todos os custos associados a esta medicação geneticamente inadequada.

A questão aqui é mesmo poupar a saúde, podendo prescrever a terapêutica mais acertada possível. Obviamente que nem todas as falhas na terapêutica têm a ver com a genética, pois existem outras características no nosso organismo que também vão ter influência. A genética tem responsabilidade em 30% dos casos, pela falha na terapêutica.

 

Das cincos áreas terapêuticas cujo diagnóstico é possível com este teste, existe alguma com maior importância do que as restantes?

Desde que começámos a realizar o MyPharmaGens, temos tido uma procura significativa na área da Psiquiatria e temos tidos alguns resultados impressionantes. Em vários desses casos não estava a ser administrada a terapêutica adequada, mas friso que não era por erro médico, mas sim por a terapêutica não estar ajustada ao genoma destas pessoas.

Segundo uma análise que fizemos às variantes genéticas da população portuguesa, é evidente que temos uma população com características no seu genoma que vão originar várias falhas terapêuticas na área da Psiquiatria. Estas poderão dar-se por excesso, pois os pacientes têm uma deficiência na captação do neurotransmissor “serotonina”. Ou, contrariamente, porque são pessoas são pessoas denominadas por “metabolizadores rápidos”, o que significa que a terapêutica vai estar muito pouco tempo presente no organismo, não obtendo o efeito desejado.

Logo, ao olharmos para estes dados, sabendo que a população portuguesa é das mais medicadas na Europa ao nível de antidepressivos, é uma consequência que seja simultaneamente uma das populações com mais falhas na prescrição de antidepressivos. Isto acontece porque temos razões genéticas para que assim seja.

Estas evidências são tão fortes que, por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA) seguradoras como a United Health, depois de uma falha terapêutica na Psiquiatria, não autorizam a prescrição de nova medicação enquanto este teste genético não for realizado. Nos EUA já existe essa regulamentação por parte das seguradoras, especialmente porque perante uma das especialidades mais sensíveis, e onde as pessoas demoram muito tempo a adaptar-se à uma medicação, bem como demora-se muito tempo a retirar esta mesma terapêutica. É, portanto, muito importante que se acerte o mais depressa possível na medicação adequada.

 

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