31 Mar, 2020

Reabilitação: Equipas multidisciplinares obtêm melhores resultados

As equipas de reabilitação não se devem cingir à fase aguda mas estender a sua ação a todas as fases do AVC, defende a Dra. Ana Alves, fisiatra do Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, e membro da SPAVC.

Na sua opinião, a reabilitação dos doentes de AVC está a ser negligenciada?

Em Portugal verificamos uma melhoria substancial dos cuidados na fase aguda do AVC com o advento dos tratamentos de reperfusão – fibrinólise EV e trombectomias – bem como uma tentativa de melhoria dos cuidados de reabilitação na fase aguda do AVC. Existem recomendações a nível europeu para que todas as unidades de AVC tenham equipas de reabilitação coordenadas e multidisciplinares, formadas por médico fisiatra, enfermeiro de reabilitação, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, terapeuta da fala, nutricionista, psicólogo e assistente social.

A questão é que essa mesma equipa de reabilitação não se deve cingir à fase aguda do AVC, mas estender a sua ação a todas as fases do AVC – aguda, subaguda e crónica.

Por isso não diria que está a ser negligenciada, mas sim debatida, verificando-se a necessidade de um caminho que tem que ser percorrido para que Portugal se orgulhe dos cuidados na área da reabilitação do AVC aos nossos sobreviventes de AVC/cuidadores e família.

Dos sobreviventes de AVC, que percentagem fica com sequelas permanentes?

As sequelas permanentes podem ser de várias ordens, desde os défices motores ou sensitivos, dificuldades de coordenação, disfagia, alterações de linguagem/fala, fadiga,  défices cognitivos, alterações vesicoesfincterianas, entre outras. Será tão importante a avaliação das sequelas como das incapacidades ou restrições na participação na vida familiar e na sociedade, que vão condicionar a qualidade de vida do sobrevivente e da sua família.

Assim, diria que as percentagens de sequelas/incapacidades será mais alta do que os estudos demonstram (aproximadamente 1/3) pois maioritariamente se referem aos défices motores/sensitivos, alterações da linguagem/fala; coordenação, marcha ou funcionalidade do membro superior. A avaliação das limitações que o AVC condiciona na vida de um sobrevivente é muito mais do que défices neurológicos, incluindo ansiedade/depressão, integração na família e amigos, ou o retorno ao trabalho. Deste modo, relevamos a importância das equipas de reabilitação especializadas em reabilitação de AVC  de efetuar uma  avaliação holística.

Existem estatísticas sobre o tipo e gravidade dessas incapacidades? 

Existem estatísticas parcelares que avaliam as incapacidades dos sobreviventes de AVC, que extrapolamos para a realidade nacional.  Estamos a caminhar na criação de um registo nacional, uniformizado, na área da reabilitação.

Como se pode melhorar a resposta dos serviços de saúde às necessidade dos sobreviventes de AVC?

Implementando no terreno  as guidelines internacionais e Normas de Orientação Clínica emanadas pela Direção-Geral da Saúde.

Sabemos hoje que a existência de equipas de reabilitação coordenadas e multidisciplinares obtêm melhores resultados clínico-funcionais e maior reintegração sócio-profissional. Portanto, o caminho deve ser potenciar essas equipas e não projetos individuais das diferentes valências em trabalho monoprofissional, cuja capacidade de responder a todas as necessidades dos sobreviventes será necessariamente menor, regredindo no nosso sistema de saúde.

Quais são os pontos-chave na avaliação do sobrevivente de AVC no âmbito das equipas de reabilitação multidisciplinares hospitalares e as dificuldades que se fazem sentir nos hospitais ? 

A nossa função é fazer a avaliação clínico-funcional e sócio-familiar/profissional, programar e  iniciar o programa de reabilitação e orientar segundo critérios clínico-funcionais para que o sobrevivente de AVC seja integrado no local ideal para a sua reabilitação, que poderá ser desde o centro de reabilitação, internamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR),  Rede Nacional de Cuidados Continuados (RNCC) ou ambulatório (hospitalar ou clínica convencionada).

A nível hospitalar, a pressão para libertar camas pelas equipas de gestão de altas hospitalares, associada à ausência de disponibilidade da rede de cuidados de reabilitação extra-hospitalar, conduz ao atropelo constante das Normas de Orientação Clínica da Direção-Geral da Saúde, existentes desde 2011. Verificamos uma gritante disparidade de critérios de referenciação entre as administrações regionais de saúde e mesmo entre os hospitais.

Uma medida fundamental seria a criação nos hospitais de camas destinadas especificamente à fase subaguda do AVC e internamentos de MFR,  reduzindo a pressão sobre a RNCC ou  centros de reabilitação, e aumentando a probabilidade do sobrevivente regressar ao seu domicílio.

Quais são as principais lacunas no acompanhamento/reabilitação destes doentes após a alta hospitalar? 

Essencialmente, a incapacidade de os sobreviventes de AVC serem acompanhados em programa de reabilitação hospitalar pós  alta nos primeiros seis meses, por  falta de elementos das equipas de reabilitação hospitalares. A prioridade para a melhoria dos cuidados deveria ser o reforço destas mesmas equipas especializadas em AVC.

Este esforço deveria ser complementado com o aumento do número de camas dos centros de reabilitação ou UCC de curta duração específicas para AVC e, por exemplo, o desenvolvimento complementar de estratégias como equipas de ESD (Early Support Discharge) no domicílio. Segundo as guidelines, deveriam ser formadas pela equipa multidisciplinar que já seguia o sobrevivente no hospital, para manter a eficácia e eficiência do programa de reabilitação.

Qual a intervenção que se espera dos profissionais de saúde que, na comunidade, contactam com este doente, nomeadamente os médicos e enfermeiros de família?

A proximidade dos médicos e dos enfermeiros de família ao sobrevivente/cuidador é fundamental e deve ser reforçada.

A avaliação regular dos sobreviventes pelo médico de Medicina Geral e Familiar (MGF) pode, designadamente em situações de agravamento funcional, ditar a necessidade de avaliação mais precoce pelo médico fisiatra hospitalar, devendo assim ser promovida a  proximidade entre os dois sistemas, por forma a manter o acesso a uma equipa de reabilitação adequada e especializada.

A  proximidade entre o médico fisiatra e o médico de MGF, deveria ser igual à relação existente entre o fisiatra e o neurologista/internista a nível hospitalar, exatamente para se manter uma avaliação interdisciplinar para a melhor resposta à nossa população.

Consultas deslocalizadas de MFR nos centros de saúde reforçariam a colaboração – equipa de reabilitação/sobrevivente e família/médico de MGF/enfermeiros de família – o que contribuiria para a equidade de acesso aos cuidados de saúde após o AVC.

Assim conseguiríamos que, na fase crónica do AVC,  o sobrevivente mantivesse o acesso a uma equipa de reabilitação coordenada e multidisciplinar, aumentando a probabilidade de atingir e /ou manter o seu máximo potencial, e sentindo-se apoiado em todo o seu percurso de vida.

SO

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