Perturbação de hiperatividade no adulto: desconstrução de estigmas e mitos

Estudos epidemiológicos estimam que a perturbação de hiperatividade e défice de atenção tenha uma prevalência de cerca de 5% das crianças e 3% dos adultos. A psiquiatra Inês Homem de Melo vai falar deste tema e é “com grande entusiasmo” que vê o interesse dos médicos de família em trazer as perturbações do neurodesenvolvimento para cima da mesa.

Qual a importância de se realizar uma sessão sobre este tema neste evento?
A PHDA não existe.
A PHDA é o resultado de más estratégias de parentalidade.
A PHDA só existe na criança.
As pessoas com PHDA não têm sucesso académico.
A PHDA é uma desculpa para a preguiça e mau-comportamento.
Estes são alguns dos mitos mais comuns em torno da perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA). Enquanto membros da sociedade, nós médicos, não somos imunes aos mitos e preconceitos que circulam na população geral. Conscientes disso, cabe-nos manter-nos informados e ser agentes da desconstrução do estigma, veículos de literacia para a saúde e para a saúde mental em particular. Nesse sentido, é com grande entusiasmo que vejo o interesse dos médicos de família em trazer as perturbações do neurodesenvolvimento para cima da mesa em eventos tão importantes como estas Jornadas!

 

Qual a prevalência das perturbações da hiperatividade no adulto?
A PHDA é uma das perturbações do neurodesenvolvimento mais comuns, caracterizando-se por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade com uma interferência negativa sobre a funcionalidade. Apesar de estar presente desde o início do desenvolvimento, os sintomas da PHDA podem não se tornar totalmente manifestos até as exigências sociais excederem as capacidades do indivíduo, sendo por isso possível que o diagnóstico seja feito pela primeira vez na vida adulta. Estudos epidemiológicos estimam uma prevalência de PHDA em cerca de 5% das crianças e 3% dos adultos. Aproximadamente dois terços das crianças com PHDA mantêm sintomas clinicamente relevantes na vida adulta.

 

Quais as principais conclusões/ideias-chave que pretende transmitir aos colegas durante a apresentação?
– O impacto da PHDA ao longo da vida vai sendo espelhado nos desafios próprios de cada faixa etária. Na criança e no adolescente auscultamos sobretudo o desempenho escolar, a interação com os pares e as dinâmicas familiares. No adulto, os desafios multiplicam-se: o desempenho académico, a vida profissional, a gestão das finanças, a condução, o casamento, a parentalidade e, especialmente caro ao trabalho do médico de família, a manutenção da saúde. Os adultos com PHDA não tratada têm maior probabilidade de desenvolver doenças crónicas devido à sua dificuldade acrescida em aderir a hábitos de vida saudáveis, à sua tendência aumentada para as adições e ao maior risco de acidentes de viação. Adicionalmente, o não tratamento da PHDA dificulta a adesão ao tratamento e follow-up de outras patologias, por esquecimento e dificuldades de gestão. De facto, depois dos 18 anos, a taxa de mortalidade das pessoas com PHDA sem tratamento encontra-se 4 a 5 vezes aumentada!

– A PHDA tem uma componente genética muito forte, sendo expectável encontrar uma grande agregação familiar deste quadro. A referenciação de uma suspeita de PHDA no adulto acontece frequentemente na sequência do diagnóstico de um filho. Após identificação do pai ou da mãe com as dificuldades do filho, esta suspeita pode ser verbalizada ao médico de família pelo agregado familiar. Efetivamente, os estudos mostram que em 40 a 50% das famílias em que pelo menos um filho tem PHDA, um dos pais também tem PHDA. Mais uma vez, pela proximidade ao agregado familiar como um todo, o médico de família poderá ter um importantíssimo papel nestes casos.

– Apesar de durante muito tempo a PHDA ter sido pensada como um problema exclusivamente ligado à criança, existe hoje evidência muito sólida da sua persistência e do seu enorme impacto na vida adulta. O médico de família ocupa um lugar privilegiado para fazer a ponte entre a Psiquiatria da Infância e Adolescência e a Psiquiatria (de adultos) – caso um jovem já diagnosticado mantenha sintomas na maioridade – bem como para suspeitar de uma PHDA não-diagnosticada num adulto, em ambos os casos enviando o doente para orientação por Psiquiatria.

 

SM

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