PECUNIA, um projeto que promete mudar o paradigma da saúde mental

Em entrevista ao SaúdeOnline, a economista afirmou a necessidade de analisar o custo-benefício dos tratamentos na saúde mental e criar novas ferramentas de avaliação económica dos sistemas de saúde.

Entre os dias 21 e 24 de agosto realizou-se, no Centro de Congressos de Lisboa, o 19º Congresso Internacional de Psiquiatria. Entre os temas abordados estava o projeto PECUNIA, um projeto financiado pela União Europeia ao abrigo da medida 2020, uma iniciativa europeia que promove projetos que desenvolvam, nas áreas económico-financeira e social, os países da zona Euro.

Existem muitos problemas na economia da saúde. O orçamento limitado e os custos elevados (e com tendência a aumentar cada vez mais) são alguns dos mais preocupantes no panorama atual. Por esse motivo, a análise do custo-benefício é um dos critérios que ajudam a tomar decisões (qual a melhor e mais eficaz intervenção para determinado paciente e a sua condição clínica, no que respeita a tratamento versus benefício e custo). É precisamente sob esta premissa que assenta o projeto PECUNIA. O SaúdeOnline entrevistou a economista Leona Hakkaart-Van Roijen, responsável pela iniciativa e oradora no Congresso.

 

De onde surgiu a ideia para este projeto? Sei que tem um mestrado nesta área, cuja tese foi “Custos no Sistema de Saúde”.

Como economista, estou envolvida na avaliação económica na Saúde em geral, mas a minha especialidade é na Saúde Mental. Como tal, estou focada nos custos e benefícios dessa área.

Na Saúde Mental é importante não olhar apenas para o custo do serviço, mas também para o custo relacionado com a vida fora da rede de saúde, como por exemplo, o custo da produtividade. Isto acontece quando os pacientes estão de baixa e não podem ir ao trabalho, o que resulta num custo para a sociedade, ou estão no trabalho mas, devido aos problemas, trabalham com menos eficácia e eficiência. Mas, existem outros custos, como os dos cuidadores informais – companheiros ou pessoas que estão diretamente envolvidos no dia-a-dia dos pacientes, 24 horas e 7 dias por semana. Além disso, há outras doenças como a Esquizofrenia que envolvem outras despesas, por exemplo, policiais ou judiciais, caso os doentes tenham uma crise e se envolvam em problemas sérios com as autoridades ou outros indivíduos [os chamados custos incalculados]. É, por este motivo, que é muito importante ter em conta estes custos, especialmente na saúde mental. Essa foi a razão que me levou a criar este projeto – uma iniciativa que ajude na medição e avaliação destas despesas (avaliações económicas de saúde mental), efetuadas através de ferramentas próprias [ainda sob estudo].

 

Qual o principal objetivo do projeto?                                                        

O nosso principal objetivo é desenvolver uma ferramenta de cálculo que harmonize e calcule todos os tipos de despesas decorridos de uma doença mental, com métodos de avaliação comparáveis e que possam ser aplicáveis aos diferentes países europeus.

 

Tendo em conta que a União Europeia engloba 28 países, não será fácil recolher dados de todos os países com sistemas de saúde totalmente diferentes e com grandes particularidades políticas e culturais. Como poderá esse trabalho ser realizado sem falhas?

Será um desafio. Em primeiro lugar, o que vamos fazer é elaborar uma lista de perguntas para os pacientes responderem. Isto porque os dados sobre os cuidadores informais ou a perda de produtividade, por exemplo, não se encontram nas bases de dados nem nos sistemas informáticos dos hospitais. Por isso, queremos desenvolver uma ferramenta de medição de resultados que possa ser preenchida pelos pacientes de todos os países.

 

Como irá essa ferramenta trabalhar?

Não consigo especificar os detalhes, porque ainda estamos na fase de desenvolvimento. Estamos a trabalhar nas questões sobre aspetos da vida de que os pacientes se conseguem facilmente recordar. Além disso, devemos ter um número limitado de itens no questionário, porque sabemos que se for demasiado extenso (100 ou 200 perguntas) as pessoas não terão vontade de preencher. O que não pode faltar são as perguntas relacionadas com a perda de produtividade – sabemos que as ausências do trabalho são importantes e temos de estudar como medir esse fator.

 

Portanto, estão ainda na fase em que estão a analisar e tentar compreender quais as ferramentas úteis para avaliar as diferentes categorias incluídas no questionário.

Sim. Para a secção da produtividade faremos dessa forma [análise de ferramentas e decidir qual a mais adequada]. Para a secção do trabalho e para a utilização dos serviços de saúde, teremos uma abordagem diferente – quais os serviços que são importantes e como podemos transformar essa informação em perguntas que sejam facilmente compreendidas e respondidas pelos pacientes.

 

Quanto tempo pensa que irá demorar até que o projeto esteja em funcionamento em todos os países da UE?

Irá depender das guidelines dos países em questão. Na Holanda, por exemplo, já existem guidelines que orientam os profissionais e “ensinam” como medir e avaliar estes tipos de custos. Portanto, em países como a Holanda (e como, por exemplo, o Reino Unido) a implementação será, provavelmente, mais fácil, uma vez que já têm regulamentado como realizar a medição e posterior avaliação económica. Por outro lado, nos países em que estas diretrizes ainda não estão desenvolvidas o PECUNIA [o projeto] será uma mais-valia, porque lhes vai dar o que não ainda têm – ferramentas para utilizar daqui em diante na psiquiatria.

 

Na sua opinião, o que pode ser feito para reduzir os encargos financeiros dos sistemas de saúde da União Europeia?

Em primeiro lugar, a tomada de consciência. Com estes estudos é possível avaliar, monitorizar todos os custos, o que permite compreender os seus benefícios e a relação custo-benefício, como por exemplo a qualidade de vida e mortalidade.

É claro que se existem despesas, não existe uma compensação imediata desse gasto. No entanto, se tiverem uma ideia da eficácia do investimento em determinadas terapêuticas conseguirão compreender que existem tratamentos que têm uma maior relação custo-benefício do que outros.

 

E isso poderá ter um maior impacto no estado económico da saúde.

Sim, sem dúvida. No final do dia, nem tudo se resume a gastos. Há que ter em conta os ganhos para o sistema de saúde. Se conseguirmos aceder a esses dados e torná-los visíveis, então irá haver um maior equilíbrio entre os custos e os benefícios. Será nessa altura que se vão poder tomar decisões informadas.

 

Uma das abordagens do projeto PECUNIA é chamar à atenção dos stakeholders para este problema. Como pensam despertar-lhes o interesse para a necessidade de se quantificar os custos das doenças mentais?

Essa é uma boa pergunta. Se eu soubesse a resposta, teria já um plano construído.

Se conseguirmos enfatizar os benefícios deste projeto e fazê-los compreender que a eficácia­­­ está na análise e que todos devem compreender o que o custo representa e acarreta, teremos metade do trabalho feito.

No que respeita à saúde mental, é muito importante compreender o conceito custo-benefício. É essencial ter acesso a estudos desta matéria (que, aliás, demonstram que a despesa para a sociedade é bastante elevada), uma vez que há muitas pessoas e pacientes envolvidos…

 

Que não estão a ser bem tratados…

Sim, que não estão a ser tratados da forma que deveriam, o que se torna um problema social que impacta a vida não só dos pacientes, como a de todos os que estão à sua volta.

 

Portanto, o que me está a dizer é que o ­awareness (“chamar a atenção”, em português) é a chave para  alertar os grandes decisores.

Exatamente. É por aí o caminho.

 

Em termos económicos, que medidas defende para melhorar os sistemas de saúde?

Não há uma solução milagrosa. Através da avaliação económica do sistema de saúde em causa, de forma a poder demonstrar quais as intervenções que têm um maior índice de custo-benefício. Este é, como tenho dito, um elemento importante para as tomadas de decisão. Mas, por outro lado, também desenvolvemos uma ferramenta que permite identificar quais os pacientes prioritários e que representam uma despesa muito maior para os sistemas de saúde – esta pode ser aplicada nos casos de Esquizofrenia, Transtorno de Stress Pós-Traumático, mas também em Depressões recorrentes (que exige um tratamento mais extenso e complexo).

Queremos, desta forma, reservar as terapêuticas mais dispendiosas para os pacientes que realmente necessitam.

Recentemente, desenvolvemos uma ferramenta de decisão que pode ajudar os clínicos a identificar estes pacientes que precisam de tratamentos extensos, complexos, especializados e dispendiosos.

 

Portanto, em vez de dividirem os recursos em pequenas parcelas com todos os doentes, referenciam os que necessitam de uma intervenção urgente, investindo mais nesses…

Exatamente. E, assim, os médicos podem identificar os pacientes que realmente podem ver uma melhoria no seu estado de saúde com essas terapêuticas de elevado custo, tomando, dessa forma, decisões mais informadas e realistas. No entanto, este tipo de desenvolvimento nos sistemas de saúde ainda está numa fase muito inicial. Por exemplo, no cancro já existem ferramentas de decisão altamente desenvolvidas que permitem aos médicos especialistas decidir como o doente será tratado (com que classe medicamentos/terapêutica), mas na saúde mental tudo isto é ainda uma miragem.

 

Acha que, na saúde mental, alguns tratamentos não convencionais poderão ajudar uma percentagem destes pacientes? Tratamentos não convencionais aliados à Medicina dita “tradicional”.

Sim, pode ser uma ajuda em alguns casos. Temos de ser abertos a outras realidades. Contudo, há que recolher mais dados para comprovar a eficácia desses tratamentos e da combinação de terapêuticas.

No final, o importante é que se comecem a tomar melhores decisões e mais informadas.

EQ/SO

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