14 Mar, 2024

“Os médicos devem procurar ativamente a doença renal e estar conscientes desta necessidade”

Mónica Reis, coordenadora do Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, fala sobre a relação diabetes/rim, que segundo indica não é, como se pensava, uni vetorial. A internista realça, sobretudo, a necessidade da procura ativa da doença renal em doentes diabéticos, visto que quando há sintomatologia, esta disfunção já se encontra em fase avançada.

Qual é a relação entre a diabetes e a doença renal?
A relação entre a diabetes e a doença renal prende-se, essencialmente, com a fisiopatologia da diabetes e do seu contributo para a degradação da função renal. Nos últimos anos, com a investigação que tem sido feita a propósito da doença renal, percebemos que o próprio rim desempenha um papel muito importante no controlo do equilíbrio glicémico, da diabetes em si.

Portanto, o que há uns anos se pensava ser uma relação apenas uni vetorial, ou seja, da diabetes para o rim, atualmente compreende-se que o próprio rim exerce uma influência sobre o desenvolvimento e o controlo da doença metabólica, que é a diabetes.

Há aqui algumas “novidades” nesta relação, não muito favorável, entre diabetes e rim.

Qual é a prevalência da nefropatia diabética?
A prevalência da nefropatia diabética ronda os 40%. No entanto, mais do que a prevalência estimada  que possamos ter, o mais importante a ter em conta é que a doença renal está  escondida, ou seja, há doentes que, do ponto de vista analítico, numa avaliação de ureia e de creatinina, não têm alteração valorizáveis da função renal.  Mas numa pesquisa mais aprofundada, valorizando e pesquisando determinados valores, nomeadamente a albuminúria e a microalbuminuria, percebe-se que já existe uma degradação da função renal e que é preciso atuar.

Portanto, os dados existentes estão aquém da realidade da relação entre diabetes e a disfunção renal.

 

“A prevalência da nefropatia diabética ronda os 40%”

 

Quais são os sinais de alerta que tanto doentes, como médicos assistentes que seguem as pessoas com diabetes, devem estar atentos para diagnosticar atempadamente a doença renal?
Numa fase inicial, a disfunção renal não apresenta sintomatologia significativa. Quando os sintomas são evidentes já a degradação do rim é muito elevada. Considero que o mais importante é a capacitação dos profissionais de saúde, médicos e enfermeiros que trabalham nesta área, de estarem consciente da necessidade da procura ativa da disfunção renal. Sobretudo os médicos, que são quem prescreve os exames complementares de diagnostico. Esta consciência será o importante.

Podemos sempre agir perante a doença renal, mas não com a mesma eficácia que poderíamos se tivesse sido efetuado um diagnóstico atempado e precoce da doença.

Lembro, no entanto, que, não é apenas na diabetes, que devemos estar atentos, a hipertensão, muitas vezes pouco valorizada, também contribuir para a disfunção renal.

A maioria dos nossos doentes são diabéticos e hipertensos, ou seja, têm dois fatores altamente lesivos para a degradação do rim.

Reforço, por isso, a necessidade da procura ativa da doença renal e a consciencialização desta necessidade por parte dos profissionais de saúde.

 

“A hipertensão, muitas vezes pouco valorizada, também contribuir para a disfunção renal”

 

Então podemos dizer que o controlo da dieta, da glicemia e também da pressão arterial têm um papel importante na prevenção e no controlo do risco da doença renal?
É fundamental! Se conseguirmos que os doentes diabéticos tenham um controlo metabólico e tensional adequados e com uma alimentação saudável iremos estar, certamente, a contribuir para o não aparecimento da doença renal. No caso de já estar instalada, estamos a contribuir para a diminuição de degradação e da progressão da doença. Sem dúvida que são três pilares fundamentais.

Estas são então as formas de prevenir a nefropatia diabética?
Sim, é o controlo metabólico. Por vezes é dificuldade transmitir aos nossos doentes que o benefício de controlar as glicémias não passa apenas por ter a diabetes controlada.

Este controlo tem implicações favoráveis em muitos aspetos, caso contrário vai haver uma evolução desfavorável em muitos órgãos e sistemas, que conduzem a uma má qualidade de vida dos doentes e uma progressão das doenças concomitantemente associadas.

Como é que vê o tratamento da doença renal crónica em doentes com diabetes? A terapêutica tem evoluído?
Sim. Hoje em dia, um dos motivos pelo qual se fala tanto em “rim e diabetes” resulta do facto de existirem terapêuticas modificadoras de risco a oferecer. Felizmente, neste campo, os últimos anos têm sido muito favoráveis, desenvolveram-se fármacos que trazem mais-valias não só no controlo metabólico e mas também da doença renal.

Começou com os inibidores da SGLT2 em que se verificou o efeito benéfico significativo sobre a função renal e, mais recentemente, com a finerenona, um antagonista dos mineralocorticoides que também demonstrou a sua eficácia na redução do declínio da função renal.

Mais uma vez, o objetivo é a deteção precoce, para introduzirmos este tipo de fármacos atempadamente, por forma a que a evolução da disfunção renal não aconteça ou que evolua mais lentamente.

Atualmente temos terapêuticas que podemos oferecer aos nossos doentes, para a melhoria da sua função renal, o que não acontecia anteriormente.

O que é que tem sido feito pelo núcleo de estudos da diabetes mellitus, no que respeita à doença renal?
A divulgação desta necessidade. Volto a insistir neste assunto, porque a necessidade da deteção precoce é realmente uma batalha. Temos tido algumas ações nas nossas reuniões, no sentido de se falar desta temática e de incutir no pensamento clínico dos colegas esta necessidade tão premente.

Vamos ter também mais algumas formações que estamos a projetar, relativamente a esta temática do rim. Esperamos que as pessoas possam usufruir, não apenas das ações de formação referentes  ao rim, mas também de outras temáticas.

Mas, estamos a falar especificamente do rim e, se temos capacidade para melhorar a vida dos doentes, este é o caminho. É preciso batalhar para que todos estejamos atentos à existência da patologia, para que seja tratada atempadamente.

Se adotarmos esta atitude proativa de procura, numa fase posterior, vamos obter benefício. Um doente em hemodiálise tem um custo em termos económicos e de qualidade de vida muito elevado. O objetivo é que não chegue a esta fase. Até porque, muitas vezes, são pessoas jovens e ainda profundamente ativas, quer do ponto de vista profissional, quer familiar e social.

 

Sílvia Malheiro

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