14 Mar, 2024

“A doença renal será a 5.ª patologia com maior impacto sobre a qualidade de vida em 2040”

No âmbito do Dia Mundial do Rim, que se assinala hoje, Edgar Almeida, presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, fala sobre a doença renal crónica, seus sintomas, consequências e desafios em termos de tratamento. O nefrologista alerta para os diagnósticos tardios e para os impactos que esta patologia tem em termos de qualidade de vida.

Hoje é Dia Mundial do Rim. Qual a importância de se assinalar esta data?
De acordo com a Global Burden of Disease, um observatório do impacto que as doenças têm sobre a qualidade de vida das pessoas, publicado na revista Lancet, em 2018, avaliada pelo disability-adjusted life years (DALY), a doença renal será a 5.ª patologia com maior impacto sobre a qualidade de vida em 2040.

Parece-me que é uma razão suficiente para nos preocuparmos com a doença renal e aproveitarmos o foco mediático para alertar para a necessidade de deteção precoce e início de tratamento nas fases iniciais da doença.

O tema deste ano é “Saúde renal para todos: Promoção do acesso equitativo aos melhores cuidados e tratamentos”. Como é que vê o acesso dos doentes renais aos cuidados e tratamentos? Há equidade em Portugal?
Em Portugal existem Serviços públicos ou privados com capacidade de acomodar as necessidades de acompanhamento de pessoas com doenças renais, de acordo com as linhas de orientação clínicas propostas. No entanto, existe um grande desconhecimento, até na comunidade médica, da necessidade de deteção precoce e início precoce das medidas necessárias para evitar o agravamento da doença, para uma fase irreversível em que pode ser necessário fazer diálise ou transplante. Para a deteção precoce é decisivo o envolvimento dos cuidados de saúde primários que têm como missão fazer os rastreios nas populações em risco, iniciar as primeiras medidas e, eventualmente, referenciar para os nefrologistas.

A SPN está a promover atividades no âmbito deste dia? Quais?
Sim. Os Serviços de Nefrologia e outras organizações ligadas ao tratamento das doenças renais têm, habitualmente, um programa específico para o DMR.

No entanto, a SPN vai organizar uma reunião dirigida aos meios de comunicação e ao público em geral, em que se espera que estejam presentes as principais entidades públicas e privadas, envolvidas no tratamento das doenças renais e também organismos do Estados com esses pelouros.

O objetivo é alertar para a necessidade de implementar medidas para mitigar o impacto que foi antecipado pela Global Burden of Disease. Será no dia 14 de março, no Centro Cultural de Belém.

“Para a deteção precoce é decisivo o envolvimento dos cuidados de saúde primários que têm como missão fazer os rastreios nas populações em risco, iniciar as primeiras medidas e, eventualmente, referenciar para os nefrologistas”

Qual a prevalência da doença renal crónica em Portugal?
Devemos distinguir duas fases importantes na história natural da doença renal – a primeira, refere-se a pessoas que ainda não precisam de fazer diálise, mas que podem caminhar nesse sentido. De acordo com o Estudo CAREMI, que avaliou a população da ULS Matosinhos, estima-se que 9,8% das pessoas tenham algum grau de doença renal, ou seja, cerca de 1.000.000 de portugueses têm doença renal crónica. Este número deve ser comparado com o da prevalência da diabetes – de acordo com o Observatório Nacional da Diabetes, 14% dos portugueses têm diabetes.

A segunda fase, refere-se às pessoas que tiveram de iniciar diálise. A 31 de dezembro de 2022 (os últimos dados disponíveis; no DMR serão conhecidos os dados de 2023) existiam em Portugal 12.878 pessoas a fazer hemodiálise e 881 a fazer diálise peritoneal, o que significa que a prevalência da doença renal tratada por diálise é 1330 pessoas por milhão de habitantes.

Quais os principais fatores de risco?
Os principais fatores de risco para doença renal crónica são a idade, a diabetes, a doença cardiovascular, o tabagismo e a história familiar de doença renal. Nestas pessoas, a persistência destes fatores de risco não modificáveis (ou o mau controlo), pode gerar lesão renal.

Inicialmente, a doença é silenciosa, o que é que pode alertar os doentes e os médicos assistentes para esta patologia, de forma a ser diagnosticada atempadamente?
De facto, a doença é silenciosa e os primeiros sinais podem ser negligenciados. O que se recomenda é que as pessoas em risco de doença renal, como as que referi anteriormente, devem fazer rastreios regulares das alterações das análises do sangue (creatinina) e da urina (albuminúria), preferencialmente sob orientação médica. Surgindo as primeiras alterações, será necessário intensificar as medidas associadas ao estilo de vida (dieta, exercício físico, evicção tabágica, controlo do peso, etc), controlar a glicemia (açúcar no sangue) e a pressão arterial e, quando apropriado, iniciar medicamentos que, comprovadamente, modificaram a evolução desta doença.

“Recomenda-se é que as pessoas em risco de doença renal (…) devem fazer rastreios regulares das alterações das análises do sangue (creatinina) e da urina (albuminúria)”

Considera que os doentes são diagnosticados atempadamente?
Não. Infelizmente, ainda identificamos muitas pessoas com doença renal, em fase avançadas, que podiam ter sido identificados numa fase mais precoce e iniciado terapêutica adequada para reduzir a taxa de progressão.

Como vê o tratamento da doença renal crónica em Portugal?
Na fase em que as pessoas ainda não precisam de diálise temos o desafio da identificação precoce pelo que vai ser necessário criar uma forma simples e fácil para o fazer. A SPN já está a fazê-lo com a ajuda da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

O tratamento das pessoas que têm necessidade de fazer hemodiálise está muito bem assegurado, sendo Portugal um dos países em que o acesso à diálise é universal para todas pessoas. O grande desafio continua a ser o da transplantação renal pois temos necessidade de incrementar a doação em vida para que mais pessoas possam ser transplantadas.

Quais os próximos passos a dar?
Como referi, o primeiro passo é o de aumentar o reconhecimento da doença renal pelos profissionais de saúde, criar um guia de orientação que permita a identificação precoce da doença e o início precoce do tratamento. Estes passos já estão a ser dados pela SPN em colaboração com outros parceiros.

 

Sílvia Malheiro

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