14 Jun, 2021

“Os aGLP-1 modificaram o paradigma de tratamento da diabetes, descentralizando-nos de uma abordagem exclusivamente glucocêntrica”

“A grande maioria dos aGLP-1 mostrou não só segurança cardiovascular, mas também proteção cardiovascular. É precisamente o que queremos oferecer aos nossos doentes”, diz a especialista em Medicina Interna do Hospital Dr. José Maria Grande (Portalegre).

Como é que a Medicina Interna olha para a relação entre diabetes e coração/risco cardiovascular (RCV)?

Considero que os internistas sempre tiveram muita noção de que estas duas entidades – diabetes e coração – caminham de mãos dadas e que são efetivamente duas entidades que têm uma relação muito íntima.

Desde a altura do United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) que temos efetivamente a noção de que os indivíduos com diabetes têm um risco acrescido em termos cardiovascular, com a evidência a mostrar que 27% das pessoas com diabetes apresentam complicações macrovasculares.

E não podemos esquecer que, quer a diabetes, quer o RCV e a mortalidade cardiovascular, são burned diseases dentro do nosso mundo global. A diabetes e o RCV estão no top 5 das causas de mortalidade no mundo industrializado, estando ambas com tendência crescente.

Em 2019, existiam 463 milhões de pessoas com diabetes em todo o mundo. Estima-se que em 2045 esse número ascenda aos 700 milhões.

Os números são claros, no que concerne a esta relação…

Sim, são claros e conhecidos há já alguns anos. O panorama alterou-se muito, desde que comecei a ver pessoas com diabetes. Na altura, tínhamos uma abordagem muito glucocêntrica e a diabetes era encarada como uma patologia exclusivamente metabólica e endócrina.

Não considero, de todo, que a diabetes seja uma patologia exclusivamente metabólica, na medida em que apresenta uma componente vascular muito importante. Basta ver na nossa população diabética, em que a maior parte tem hipertensão arterial, dislipidemia, obesidade ou excesso de peso. Mais um número impactante: nove em cada dez pessoas com diabetes têm obesidade ou excesso de peso. E todas estas patologias conduzem inexoravelmente à aterosclerose. Portanto, o RCV nestes indivíduos está a aumentar, mostram os estudos.

Quando tenho uma pessoa com diabetes na minha consulta procuro sempre alertá-la para esta questão do RCV, uma vez que a grande maioria da população não está a par desta relação. Quando estas pessoas percebem que têm um risco acrescido entre quatro a cinco vezes superior à população em geral de virem a sofrer um enfarte agudo miocárdio (EAM) ou um acidente vascular cerebral (AVC) acabam por aderir melhor ao plano terapêutico e conseguir uma melhor autogestão da sua doença.

 

 

Qual o papel dos agonistas da GLP-1 (aGLP-1) no contexto da prevenção cardiovascular e o que nos dizem as mais recentes guidelines do tratamento da diabetes a este respeito?

Os aGLP-1 são fármacos que vieram modificar o panorama do tratamento da diabetes, descentralizando-nos de uma abordagem exclusivamente glucocêntrica, para uma abordagem mais cardiovascular.

A grande maioria dos aGLP-1 mostrou não só segurança cardiovascular, mas também proteção cardiovascular. E isso é extremamente importante, porque é precisamente o que queremos oferecer aos nossos doentes. Quando os tratamos, queremos oferecer-lhes um benefício acrescido.

Neste sentido, em indivíduos com doença aterosclerótica estabelecida, os aGLP-1 já estão preconizados independentemente do valor da hemoglobina A1c e independentemente dos objetivos individuais para cada um desses doentes.

Mais recentemente, a Sociedade Europeia de Cardiologia deu um passo à frente baseando-se nos resultados de alguns CVOT que avaliaram alguns aGLP-1 e preconiza que os aGLP-1 e os inibidores da SGLT2 (iSGLT2) sejam utilizados em monoterapia, em doentes com doença aterosclerótica estabelecida e em indivíduos com RCV elevado ou muito elevado, naïve de terapêutica.

Portanto, o papel dos aGLP-1 é fundamental, em termos da prevenção cardiovascular, além da sua ação hipoglicemiante.

Que impacto têm os resultados do estudo REWIND – que mostra uma redução de 12% no número de eventos cardiovasculares adversos major (MACE) com dulaglutido – na prática clínica e no tratamento da pessoa com diabetes?

Tem um impacto enorme. O REWIND foi um dos ensaios que veio alterar o paradigma na abordagem da pessoa com diabetes e é ligeiramente diferente dos restantes CVOT levados a cabo com aGLP-1: foi o mais longo de todos os estudos e avaliou o dulaglutido numa população de pessoas com diabetes em que 70% se encontravam em prevenção primária, e mesmo assim conseguiu-se alcançar o endpoint primário, com uma redução de 12% na ocorrência de MACE.

Este resultado representa um benefício acrescido para os nossos doentes. Se olharmos para o NNT do REWIND, em relação aos indivíduos que tinham um RCV elevado e muito elevado foi de 72%, mas nos indivíduos que já tinham doença aterosclerótica estabelecida, foi de 18%, o que é impressionante.

Portanto, em termos de prática clínica considero ser extremamente benéfico para os nossos doentes podermos protegê-los e ter estes números… Saber que se tratarmos 72 doentes que têm um fator de RCV elevado ou muito elevado, vamos conseguir prevenir pelo menos um evento cardiovascular major, é muito relevante.

Em termos de resultados, o REWIND foi um estudo paradigmático neste sentido e muito importante. Veio alterar obviamente a nossa prática clínica corrente.

Outro fator a destacar com o dulaglutido é a facilidade com que os doentes aderem à terapêutica, devido à sua administração ser semanal. Este aspeto é fundamental para que a pessoa se sinta aligeirada da gestão terapêutica e de monitorização diária que uma patologia como a diabetes implica.

Há ainda um outro benefício adicional, que os doentes muito valorizam: a perda ponderal. Estamos a falar de doentes que muitas vezes já tentaram de tudo para perderem peso, sem sucesso. Com o dulaglutido essa perda ponderal acontece e é uma motivação extra para manter a adesão à terapêutica.

De salientar, ainda, a comodidade dos devices/canetas de administração dos aGLP-1, que são cada vez mais intuitivos, práticos e fáceis de utilizar.

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