Nutrição pediátrica. “Adesão das crianças a dietas especiais pode ser um processo desafiante”
Em entrevista, Bárbara Plácido, nutricionista com pós-graduação em Nutrição Pediátrica, aborda a importância, o impacto e as peculiaridades de vários tipos de alimentação específicos para determinadas condições médicas ou metabólicas que podem surgir na infância. A especialista fala, ainda, dos desafios inerentes e da importância de um acompanhamento multidisciplinar destes casos.

Qual a relevância de uma nutrição adequada na infância para o desenvolvimento físico, mental e emocional?
A nutrição infantil apresenta elevada importância, uma vez que, quando adequada, completa e equilibrada, apresenta um impacto relevante no desenvolvimento e crescimento das crianças. Os comportamentos e atitudes adquiridos na infância, assim como as escolhas alimentares realizadas nesta fase, são marcantes, pois influenciam a saúde na vida adulta.
Que condições médicas ou metabólicas podem exigir dietas especiais e suplementação?
Situações como alergias e intolerâncias alimentares (leite, ovos, lactose, glúten, entre outros), distúrbios metabólicos hereditários (fenilcetonúria, galactosemia, doença de armazenamento de glicogénio), doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn e colite ulcerosa), ou doenças endócrinas (diabetes, e patologias relacionadas com a tiróide). Além disso, incluem-se também doenças genéticas e transtornos do desenvolvimento (síndrome de Down e autismo), casos de desnutrição e deficiências nutricionais (anemia, deficiência em vitamina D), doenças renais e hepáticas e também em condições cardíacas e pulmonares, como a fibrose quística.
Como deve ser feita a gestão de alergias alimentares comuns em crianças? Em que situações faz sentido aplicar alternativas alimentares?
Após o diagnóstico, pais e cuidadores devem debruçar-se sobre o tema, estudando os sinais e os sintomas que podem estar associados a uma reação alérgica, de forma a saberem identificar quando está a acontecer e, assim, saberem como reagir.
Pode ser necessário o uso de medicação de emergência durante uma crise alérgica e é extremamente importante que os pais e cuidadores saibam como reagir nesses momentos, de forma a proporcionar à criança um ambiente seguro.
“As alternativas alimentares devem ser aplicadas de forma a garantir uma nutrição adequada para a criança e também para que esta não se sinta ‘diferente’.”
Em casos de doenças como fenilcetonúria ou galactosemia, qual é a importância de implementar dietas específicas de modo a prevenir possíveis complicações?
A fenilcetonúria é um distúrbio metabólico hereditário, assim como a galactosemia, e em ambas as patologias é necessário o consumo de uma dieta específica. No caso da fenilcetonúria, a dieta tem de ser restrita em fenilalanina, um aminoácido encontrado em muitos alimentos ricos em proteínas. Caso a dieta não seja cumprida, poderá levar ao aparecimento de doenças intelectuais, problemas comportamentais e atrasos no desenvolvimento.
Na galactosemia, a dieta tem de ser livre de galactose. Todos os produtos lácteos, como queijo, leite, iogurte manteiga, etc., são considerados alimentos proibidos, assim como outros que a contenham.
Caso a dieta seja implementada desde o nascimento, o desenvolvimento de problemas renais e hepáticos não ocorre. Porém, a longo prazo, mesmo com um tratamento adequado, poderão existir problemas de desenvolvimento cognitivo, intelectual e motor, assim como problemas de fala e de crescimento.
No que diz respeito a suplementação nutricional, em que situações é que esta é uma via útil ou até mesmo necessária?
A necessidade de suplementação requer sempre uma avaliação individual da criança. Esta só deve ser realizada quando é identificada uma deficiência nutricional ou uma condição médica específica, que justifique a utilização de suplementos.
“Existem suplementos comummente utilizados em crianças, como a vitamina D, o ferro e a vitamina C.”
No campo da eficácia e segurança da suplementação nutricional em crianças, existe discussão em torno de dosagens adequadas ou de possíveis efeitos colaterais?
Sim. Existem fórmulas pediátricas específicas que permitem que o risco de sobredosagem seja diminuído. Quando a sobredosagem ocorre poderá ser perigosa e prejudicial para a saúde da criança, pelo que a dose recomendada nunca deve ser excedida. Caso os suplementos não sejam utilizados de forma correta, existem, sim, possíveis efeitos colaterais, tais como toxicidade, problemas gastrointestinais, interações com outros medicamentos, reações alérgicas, entre outros.
As crianças possuem necessidades nutricionais diferentes e específicas. Por este motivo, existe uma preocupação acrescida quando se considera a utilização de suplementos. Estes devem ser de marcas com certificação e que tenham sido sujeitas a testes que permitam garantir que os seus ingredientes são puros e seguros, sem compostos que possam ser prejudiciais à saúde das crianças. Existem ainda fórmulas específicas para crianças, que contêm as dosagens pediátricas adequadas.
As novas tecnologias têm permitido realizar abordagens personalizadas na nutrição pediátrica?
Com a utilização das novas tecnologias é possível realizar uma abordagem mais personalizada, uma vez que permitem uma melhor avaliação, monitorização e personalização das necessidades de cada criança.
“As ferramentas digitais auxiliam o acompanhamento nutricional e proporcionam um tratamento personalizado, fazendo com que as necessidades nutricionais sejam garantidas de modo mais eficiente e seguro.”
Existem estratégias para garantir a adesão das crianças a dietas especiais?
A adesão das crianças a dietas especiais pode ser um processo desafiante. Dependendo da idade apresentada pela criança, pode ser necessário explicar, de forma adequada à idade, a importância de determinada alteração na alimentação e o quanto a mesma pode ajudar no seu bem-estar.
Existem estratégias que podem facilitar esta aprovação, tais como o envolvimento da criança na preparação das refeições, oferecendo variedade e substituições criativas, saborosas e saudáveis dos ingredientes a que a criança faz alergia, por exemplo.
As crianças encontram-se expostas a diferentes ambientes, tais como a casa onde habitam ou a escola que frequentam. São estes ambientes que podem oferecer modelos positivos para esta adesão, como por exemplo não ter disponível em casa os alimentos que a criança não pode ingerir e o consumo por parte dos pais de alimentos “permitidos”.
Qual a importância da implementação de uma educação nutricional desde cedo?
O desenvolvimento infantil passa por adquirir hábitos alimentares saudáveis desde cedo, que permitam a prevenção de patologias, promovam um crescimento físico e mental saudáveis e ainda uma boa diversificação alimentar, possibilitando o alcance de uma relação saudável com a alimentação.
O facto de as crianças perceberem desde cedo o quão positivo é realizar uma alimentação saudável, faz com que aprendam a valorizar o seu corpo, reduzindo a preocupação excessiva com a sua aparência, diminuindo, assim, o risco de desenvolvimento de patologias de comportamento alimentar perturbado, tais como anorexia e bulimia.
“Existem evidências que sugerem que os comportamentos e atitudes tomados a nível nutricional, durante a infância, são determinantes no desenvolvimento da criança.”
Existe um impacto psicológico e social das dietas especiais nas crianças?
Efetivamente, na sua maioria, este tipo de dietas pode impactar a vertente psicológica e a vida social das crianças, uma vez que existem alguns aspetos como o sentimento de exclusão, ansiedade, stresse, entre outros, que estão presentes quando é necessária a implementação de alimentações específicas.
Muitas vezes, as crianças sentem-se excluídas por se alimentarem de forma diferente dos seus pares em contextos sociais, como por exemplo em festas de aniversário, nas refeições realizadas na escola ou mesmo em contexto familiar. Todos estes fatores acabam por contribuir para um aumento da ansiedade e do stresse.
Também em crianças que já possuem uma noção do quão prejudicial será sair da dieta, pode ser preocupante, uma vez que comer em contextos diferentes do habitual poderá ser visto como um “problema”, gerando ainda maior stresse. Isto pode levar a que a criança evite situações sociais que envolvam alimentação, para que não se sintam diferentes e também para que não se sujeitem a questões vindas de pessoas do meio envolvente. A autoestima poderá também ser afetada, uma vez que as crianças sentem-se diferentes dos seus pares.
Qual a importância de uma colaboração multidisciplinar entre profissionais de saúde para a gestão eficaz das necessidades nutricionais específicas das crianças?
A colaboração em equipa multidisciplinar na gestão das necessidades nutricionais específicas das crianças é fundamental para a obtenção de um tratamento eficiente nestas situações. A incorporação de diferentes perspetivas permite a realização de planos de tratamento mais complexos, completos e adaptados às necessidades específicas de cada criança, reduzindo a probabilidade da existência de erros médicos e garantindo que todos os aspetos da saúde do doente são considerados. Os cuidados de saúde acabam por ser mais inclusivos, melhorando, assim, o tratamento em questão e, consequentemente, a qualidade de vida das crianças.
CG
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