28 Fev, 2024

Nutrição em crianças celíacas. “A alimentação é o tratamento da doença celíaca”

Apesar de variáveis, os sintomas da doença celíaca são, sobretudo, gastrointestinais. Em entrevista, Hugo Rodrigues, pediatra na Unidade Local de Saúde (ULS) do Alto Minho e criador do blog "Pediatria para todos", fala um pouco de possíveis sintomas desta doença nas crianças, bem como de deficiências nutricionais que possam surgir.

Qual é a importância de uma boa alimentação dietética ao longo da infância?
Principalmente nos primeiros anos de vida, a alimentação tem quase um cariz terapêutico, uma vez que contribui com nutrientes importantes para o crescimento, para além de ser responsável pela programação metabólica e do próprio sistema imune. Sem dúvida que é um dos fatores decisivos para se poder atingir o potencial de crescimento e desenvolvimento programado e, por isso, faz todo o sentido ter cuidados alimentares específicos durante a infância.

Para além disso, considero que não é menos importante a forma como as crianças se alimentam nos primeiros anos. Esta questão vai modular muito os comportamentos alimentares na idade adulta, seja em termos de escolha de sabores, de aceitação de texturas, cores e padrões, seja pela forma como as crianças aprendem a relacionar-se com os próprios alimentos e com a refeição em si.

“Esta visão da alimentação é muito mais do que dar apenas os nutrientes necessários para o crescimento numa fase em que as crianças estão a mudar.”

Quais são os sintomas da doença celíaca nas crianças?
É variável, a doença celíaca pode transparecer em quase tudo. Os sintomas clássicos são: má evolução de peso com diarreia crónica, barriga muito distendida, e eventualmente, anemia por falta de ferro.

Contudo, há doenças celíacas que se manifestam de forma diferente. Por vezes, em vez de diarreia, ocorrem quadros de prisão de ventre com dor de barriga, pelo que é variável. Para além disso, existem formas não intestinais, como o tingimento da pele e o tingimento das articulações, mas estamos a falar de uma minoria de casos e habitualmente estes sintomas também não surgem isoladamente, mas num contexto de sintomas intestinais.

De modo geral, tendem a existir deficiências nutricionais em crianças celíacas?
Se não houver uma orientação profissional, sim, e a mais comum é a falta de ferro. Num caso de doença celíaca ocorre uma alteração da capacidade de absorção do intestino, particularmente da fase mais proximal, e isso vai condicionar a absorção de algumas vitaminas e minerais e, particularmente, do ferro. Para além disso, se o tingimento for mais extenso, pode originar também a diminuição de absorção de gorduras, bem como carências de macronutrientes.

A alimentação é o tratamento da doença celíaca e o prognóstico da patologia vai depender, claramente, do cumprimento da dieta de evicção do glúten ou não, seja em termos de sintomas ou de riscos, nomeadamente de neoplasias intestinais, que podem estar aumentadas na doença celíaca, caso não haja um acompanhamento. Deste modo, nos primeiros anos de vida deve haver um acompanhamento nutricional e mesmo na idade adulta não me choca que continue a existir.

“Apesar disso, se o diagnóstico for realizado de forma precoce, durante a infância, as pessoas habituam-se perfeitamente a ter uma alimentação sem a presença de glúten.”

 

É difícil aplicar uma dieta celíaca a uma criança?
Felizmente, hoje em dia, temos cada vez mais produtos alimentares destinados a doentes celíacos. Em comparação com há 10 ou 15 anos, altura em que realmente existia muito pouca oferta. Claro que nenhuma criança gosta de se sentir diferente e existe sempre a tendência para a comparação entre o que come um e o que comem os outros, podendo surgir alturas onde é um pouco mais difícil cumprir a dieta. Porém, de um modo geral, as crianças percebem que se não cumprirem essa dieta, se forem comendo alimentos prejudiciais às escondidas, por exemplo, vão ter sintomas e percebem que não é uma boa opção.

 

CG

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