11 Mai, 2022

“Melhores níveis de literacia permitem mitigar a necessidade de prestação de cuidados de saúde”

Em entrevista exclusiva ao SaúdeOnline, o chefe da Divisão de Literacia, Saúde e Bem-Estar da DGS apresenta quais os principais desafios da tutela no aumento da literacia dos portugueses em matérias de saúde pública.

O chefe da Divisão de Literacia, Saúde e Bem-Estar da Direção-Geral da Saúde (DGS), Miguel Arriaga, defende que o investimento na literacia em saúde produz consequências diretas na qualidade de vida da população, bem como na prestação dos cuidados em Portugal. É nesse sentido que o atual Plano de Ação para a Literacia em Saúde pretende promover a adoção de um estilo de vida saudável e uma adequada utilização do sistema de saúde.

 

Qual a importância de, em pleno séc. XXI, haver uma aposta forte na literacia em saúde em Portugal?

É hoje consensual a importância estratégica da literacia em saúde (LS), como uma ferramenta central na proteção e promoção da saúde e na prevenção da doença. Termos processos que permitam às pessoas aceder, avaliar, compreender e utilizar informação por forma a promover e a manter uma boa saúde surge hoje como uma realidade atual, mas em constante mutação.

O impacto da intervenção da literacia em saúde no âmbito da melhoria dos indicadores relativos, sobretudo, às doenças crónicas não transmissíveis, era já conhecido, sendo que a resposta à pandemia por covid-19 veio enfatizar a importância estratégica da LS em todos os espetros de intervenção, considerando sempre as oportunidades existentes e focada na boa prática como a transversalidade das intervenções e a antecipação dos períodos críticos do desenvolvimento, bem como na customização da informação face às necessidades percebidas e identificadas por cada um de nós.

Melhores níveis de LS permitem ganhos diretos na saúde, bem-estar e na qualidade de vida, mas também refletida em ganhos económicos diretos e indiretos, (e.g.) no mitigar da necessidade de prestação de cuidados ou na correta navegação dos Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Quais os maiores desafios despoletados pela ativa divulgação de informação e contrainformação a que assistimos atualmente?

Sabemos que sempre que se fala em comunicar, especialmente comunicar em saúde, os desafios são imensos. Para além da necessária “desconstrução” da linguagem da ciência para uma linguagem que seja entendida e facilmente compreendida por todos, também o “tempo da ciência” e a informação falsa, são peças centrais a considerar. É por isso fundamental considerar uma abordagem integrada de diferentes áreas, aliando a LS, a comunicação e as ciências do comportamento. Neste sentido, hoje trabalhamos estratégias de comunicação em saúde também desenhadas com base nos comportamentos, considerando o impacto muito positivo nas crenças e comportamentos relacionados com a saúde.

As informações sobre saúde são muitas vezes inacessíveis, muito complexas e de difícil compreensão, dificultando a sua interpretação e aplicação no dia-a-dia, abrindo muitas vezes espaço a fakenews. Para além de uma comunicação eficaz, nas suas dimensões clássicas, temos hoje de considerar a necessidade de uma comunicação rápida e clara, através dos meios que nos permitam chegar ao máximo de pessoas possível.

Tornar as informações de saúde compreensíveis e acessíveis a toda a população é fundamental para melhorar a saúde e qualidade de vida dos cidadãos.

 

As informações sobre saúde são muitas vezes inacessíveis, muito complexas e de difícil compreensão

 

Quais os grupos populacionais que registam níveis mais baixos de literacia em Portugal?

Entre 2020 e 2021 a Direção-Geral da Saúde (DGS) realizou uma avaliação da LS da população portuguesa, de forma a conhecer os níveis de LS da população, podendo desta forma melhor direcionar as políticas e abordagens a realizar no âmbito da promoção desta importante ferramenta de promoção da saúde.

Considerando dados sociodemográficos, como o sexo, a idade e a escolaridade, esta avaliação constatou que os valores de Literacia geral em saúde diminuem com o aumento da faixa etária e diminuição do nível de escolaridade, sem variação significativa com o sexo.

Os resultados apresentam um aumento dos níveis de literacia em saúde, face a estudos anteriores.

Mais idade, menor capacidade económica, menor escolaridade e desemprego, apresentam-se como os determinantes de baixos níveis de LS.

Quais as áreas da saúde que apresentam maior desconhecimento por parte da população?

O instrumento acima mencionado permitiu também saber que, em termos de dimensões, se verifica um menor conhecimento nas áreas relativas à prevenção da doença, seguida dos cuidados de saúde, havendo um maior conhecimento nas questões relacionadas com a promoção da saúde.

De destacar que Portugal, quando comparado com os restantes países envolvidos no estudo, apresenta níveis de LS associados à vacinação que excedem os 70%, tendo um resultado bastante acima da média. Face à cobertura vacinal e à adesão a vacinação contra a covid-19, os resultados parecem corresponder ao esperado.

 

De acordo com o último inquérito, sete em cada 10 pessoas têm hoje um nível elevado de literacia em saúde

 

De que forma é possível capacitar a população para selecionar informação fidedigna e credível?

A mobilização da população para selecionar informação fidedigna é um processo que envolve esforços concertados da sociedade. Mobilizar a sociedade neste sentido, ao longo de todo o ciclo de vida, é de extrema importância para a promoção da adoção de comportamentos adequados e ajustados à realidade que vivemos. Os pontos-chave deste processo contemplam, essencialmente, a disseminação de factos, de forma a aumentar o conhecimento sobre a doença/situação de saúde em questão e a reduzir o estigma associado, bem como a difusão de mensagens a diferentes públicos-alvo através de influenciadores sociais. É, por isso, importante, o desenvolvimento de competências de tomada de decisão e, igualmente, a promoção do recurso a fontes credíveis e de confiança, uma vez que a desinformação pode condicionar a adoção de medidas pouco efetivas e, consequentemente, promover comportamentos de risco, assim como a divulgação de informação desadequada.

Comunicar incerteza e risco, abordando as preocupações da população, são alguns dos desafios que, se não forem tratados adequadamente, podem ter impacto direto na confiança e reputação das entidades de saúde, e ainda impactos indiretos na economia e na sociedade.

Outro ponto principal relaciona-se com o facto de tornar as informações de saúde compreensíveis e acessíveis a toda a população. Neste sentido, a utilização de diferentes estratégias de comunicação eficazes pode manter os cidadãos mais e melhor informados sobre a sua saúde, o que irá, consequentemente, influenciar o seu comportamento no sentido de viverem com mais saúde.

 

A mobilização da população para selecionar informação fidedigna é um processo que envolve esforços concertados da sociedade

 

De acordo com os resultados do Inquérito sobre Literacia em Saúde em Portugal 2016, (ILS-PT), 5 em cada 10 pessoas da população portuguesa têm níveis reduzidos de Literacia em Saúde. Quais as medidas em vista para combater este panorama?

Importa começar por referir que, de acordo com o último Inquérito sobre Literacia em Saúde 2021, sete em cada 10 pessoas têm hoje um nível elevado de literacia em saúde. Acreditamos que o trabalho realizado ao longo destes anos tenha permitido este crescimento.

Tendo em conta o Plano de Ação para a Literacia em Saúde, este pretende, mantendo a pessoa no centro da intervenção, melhorar de forma contínua, consciente e com sustentabilidade o nível de Literacia em Saúde da população residente em Portugal.  Posto isto, este plano assenta nos seguintes objetivos gerais: adotar um estilo de vida saudável, capacitar para a utilização adequada do Sistema de Saúde, promover o bem-estar geral da população e promover o conhecimento e investigação.

Consideramos que é ainda necessário, para além da definição de políticas nacionais, disponibilizar instrumentos e ferramentas aos profissionais de saúde, de forma a promoverem a literacia em saúde, e aumentar, igualmente a rede de parceiros para incorporar e potenciar as intervenções de promoção da literacia em saúde, aumentando o impacto das intervenções nos diferentes settings.

SO

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