“Hoje em dia a Pediatria é muito mais uma especialidade comportamental”
Hugo Rodrigues é Pediatra na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, em Viana do Castelo, e é ainda docente na Escola de Medicina da Universidade do Minho. Para além disso, é autor dos livros “Pediatra para todos”, “Primeiros Socorros – Bebés e Crianças”, “O Livro do seu Bebé“ e, mais recentemente, "Porque é que o meu filho se comporta assim?". No âmbito da publicação do seu novo livro, o SaúdeOnline entrevistou o especialista, abordando, entre outros aspetos, a importância da questão comportamental das crianças para o seu desenvolvimento.
O que há de novo em relação ao “O Livro do Seu Bebé”? Qual é o foco neste novo livro?
É um livro bastante diferente, porque o foco é o desenvolvimento do comportamento, enquanto que “O Livro do Seu bebé” é um livro generalista sobre os cuidados a ter de uma forma geral durante a gravidez, mas também durante os dois primeiros anos de vida.
Este, para além de se estender até uma faixa etária mais velha, é um livro essencialmente sobre desenvolvimento e comportamento numa ótica de compreender os desafios a que os pais estão sujeitos, sempre à luz do desenvolvimento das crianças, e de dar alguns conselhos práticos para poder lidar com esses desafios, porque na maior parte das vezes são etapas normais. Claro que às vezes vão desgastando um bocadinho os pais, mas são etapas normais, e a ideia é tentar tranquilizá-los um pouco e tentar tirar alguma carga emocional mais negativa que possam ter.
Porquê a importância do foco na parte comportamental das crianças?
Hoje em dia a Pediatria é muito mais uma especialidade comportamental do que uma especialidade de doentes. As vacinas vieram retirar muitas das doenças graves que tínhamos, a melhoria das condições higieno-sanitárias, entre outros fatores, também vieram melhorar o estado de saúde físico das nossas crianças. A parte comportamental é que vai ficando e, neste momento, suscita a maior parte das dúvidas aos pais.
“Também as redes sociais acabam por pressionar os pais na busca por uma parentalidade perfeita, que não existe, mas não deixa de haver essa pressão, e portanto os dilemas comportamentais acabam por ser os mais frequentes e aqueles que causam uma maior insegurança”.
Qual é a importância desta questão comportamental para um crescimento saudável das crianças?
Primeiramente, grande parte destes desafios comportamentais são normais, são comportamentos expectáveis das crianças, fruta da etapa de desenvolvimento em que estão, e do facto de ainda não terem adquirido todas as competências socioemocionais, porque isto é um trajeto, é um caminho.
Para além disso, percebendo esta normalidade, os pais vão poder responder também mais de acordo com as próprias necessidades das crianças, o que vai aumentar o seu bem-estar, o bem-estar dos pais também porque vão ser muito mais competentes, digamos assim, promovendo-se uma harmonia familiar.
Quais são as dúvidas mais frequentes que lhe chegam por parte dos pais em relação a esta questão?
Há muitas. Eu diria que o sono e a alimentação são sempre temas muito presentes nas consultas porque têm uma vertente biológica a que os pais estão muito atentos, e que coloca algumas dificuldades do ponto de vista comportamental e de rotina, o que causa desconforto e insegurança aos pais.
As birras também, porque começam numa idade jovem e prolongam-se durante uns anos, e depois a questão do uso dos ecrãs, a questão da aprendizagem quando falamos de crianças em idade escolar e no fundo de que forma podem otimizar o rendimento dos filhos.
E a nível de erros mais frequentes cometidos pelos pais?
Não gosto muito da palavra ‘erros’, acho que, às vezes, há opções menos boas. Diria que a hiperproteção, o tentar decidir tudo pelos filhos, o tentar protegê-los de qualquer emoção que possa ser desagradável. Esta é uma opção pouco positiva porque as emoções desagradáveis fazem parte da vida e as crianças têm de saber lidar com elas. Não acho que se deva querer que as crianças estejam tristes, como é lógico, mas devemos querer que as crianças sintam tristeza se alguma situação da vida delas não está a correr tão bem. Temos é que depois lhes dar armas para lidar com essa tristeza de forma saudável.
Para além disso, a hiperproteção dificulta o relacionamento, porque as crianças acabam por não experimentar opções menos boas com os outros, e quando são crianças tudo isso é muito mais permitido, e à medida que vão crescendo é mais difícil gerir opções de socialização menos boas.
“A hiperproteção, que é quase sempre muito bem intencionada por parte dos pais, acaba por condicionar um pouco o desenvolvimento emocional das crianças. Do ponto de vista física também, porque a hiperproteção acaba por impedir que as crianças corram riscos, e nós sabemos que a exposição ao risco é um motor para um bom desenvolvimento”.
Todas estas questões acabam por trazer consequências para o futuro da criança, que será depois jovem e adulta?
Sim. O nosso objetivo é tentar que um bebé, que se transforma numa criança, e depois num adolescente, e por fim num adulto, seja competente, equilibrado, adequado, saudável, e emocionalmente seguro e capaz.
Se não formos dando oportunidades às crianças de explorar as suas competências, seja com elas próprias, seja com os outros, seja com o ambiente que as rodeia, vamos estar a condicionar o desenvolvimento de competências mais elaboradas nestas áreas, e isso vai ter repercussões para o seu bem-estar, para além de que se perde autonomia, e no fundo o que pretendemos é autonomizar os nossos filhos.
CG
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