5 Mai, 2017

“Estamos cada vez mais próximo da era em que a HAP será vista como uma doença crónica e controlável”

De acordo com projeções epidemiológicas, serão cerca de trÊs centenas os portugueses que sofrem de Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP), estimando-se a incidência da doença possa atingir 70 novos casos por ano. É uma “doença silenciosa que, como explica Graça Castro, cardiologista responsável pela Unidade de Hipertensão Pulmonar do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), “pode surgir sem causa aparente (neste caso designa-se de idiopática), pode ser hereditária ou surgir associada a doenças tão diversas como as doenças do tecido conjuntivo, as doenças cardíacas congénitas ou as doenças do fígado.

No dia em que se assinala o Dia Mundial da Hipertensão Pulmonar, o nosso jornal foi conhecer os quatro centros de referência para o tratamento da doença existentes em Portugal, as suas especificidades e as expetativas quanto ao futuro, de uma doença muito grave, para a qual ainda não existe cura, mas em que é possível controlar os sintomas, atrasar a evolução da doença e prolongar a sobrevida

SaúdeOnline | Quanto Falamos de Hipertensão Pulmonar estamos a falar de uma ou de múltiplas condições? Quais as principais causas da HAP?

Graça Castro | A hipertensão pulmonar é uma patologia dos vasos pulmonares que se manifesta através de um aumento da pressão com que o sangue circula nos pulmões. Na realidade a hipertensão pulmonar não é uma doença mas sim um estado hemodinâmico transversal a uma grande variedade de doenças com origens muito diversas. O significado e o tratamento da hipertensão pulmonar variam conforme a doença a que está associada.

São muitas as doenças que se podem acompanhar de hipertensão pulmonar mas as que encontramos mais frequentemente são a insuficiência cardíaca esquerda e as doenças do foro respiratório. Para estas formas mais comuns de hipertensão pulmonar o melhor tratamento e o mais eficaz é a optimização do tratamento da doença de base.

Uma forma mais rara de hipertensão pulmonar, designada por hipertensão arterial pulmonar (HAP), pode surgir sem causa aparente (neste caso designa-se de idiopática), pode ser hereditária ou surgir associada a doenças tão diversas como as doenças do tecido conjuntivo, as doenças cardíacas congénitas ou as doenças do fígado. A HAP é habitualmente uma doença muito grave e evolutiva. Na ausência de tratamento acompanha-se de limitação progressiva da capacidade de esforço, compromisso da qualidade de vida e acentuada redução da sobrevida.

Nas últimas décadas surgiram novos fármacos para a HAP, eficazes no controlo dos sintomas, capazes de atrasar a evolução da doença e prolongar a sobrevida. Desde 2003 foram aprovados em Portugal oito fármacos para o tratamento desta doença e mais dois estão em processo de avaliação.

Apesar dos enormes avanços no tratamento e da melhoria das perspetivas para os doentes afetados, a HAP continua a ser uma doença incurável e incapacitante.

SO – Quais os sinais e sintomas de “alerta” a ter em conta?

GC – Não há sinais ou sintomas específicos de hipertensão pulmonar ou de HAP. Os sintomas que acompanham esta doença (cansaço, falta de ar, tosse, desmaios, nas fases mais avançadas edema das pernas) são comuns a uma grande variedade de outras doenças.

Esta é uma das razões porque o diagnóstico da HAP é difícil e na verdade a maior parte dos doentes que chega aos centros de tratamento são diagnosticados tardiamente.

SO – Existem grupos/fatores de risco de desenvolvimento da doença?

GC – Estão identificados grupos com maior risco de desenvolver HAP, como os doentes com algumas doenças auto-imunes (esclerodermia, lúpus). Estes devem ser alvo de rastreio periódico de forma a identificar a doença o mais precocemente possível. O sucesso do tratamento é tanto maior quanto mais cedo for iniciado.

SO – Há dados de incidência/prevalência da doença entre nós? E a nível mundial?

GC – A hipertensão pulmonar associada à insuficiência cardíaca esquerda e às doenças respiratórias é uma patologia frequente. Já a HAP é uma doença mais rara com uma incidência que pode atingir 7 novos casos por milhão de habitantes por ano e uma prevalência até 26 casos por milhão de habitantes.

SO – Existe alguma “particularidade” portuguesa?

GC – A casuística dos centros de tratamento sugere que possam existir em Portugal mais formas de HAP associada a cardiopatias congénitas, resultado provável de um início mais tardio das cirurgias de correção de defeitos cardíacos congénitos face a outros países europeus.

SO – Como é diagnosticada a doença?

GC – A suspeita do diagnóstico é habitualmente colocada a partir de exames não invasivos com particular destaque para o ecocardiograma. O diagnóstico de certeza e a caracterização do tipo e da gravidade de hipertensão pulmonar obrigam a exames mais detalhados e que devem ser realizados sob a orientação de centros diferenciados.

SO – Verifica-se subdiagnóstico desta condição?

GC – Sim, é provável que a HAP ainda esteja subdiagnosticada. No entanto os esforços que têm sido feitos para aumentar a divulgação desta patologia, o acesso cada vez mais facilitado aos meios complementares de diagnóstico e a aposta na formação pós graduada tendem a corrigir esta situação.

SO – Tendo em conta os critérios “apertados” da candidatura a “Centro de Referência para o Tratamento da Hipertensão Arterial Pulmonar”, como encararam, no vosso serviço, a candidatura a esta “Competência”. Foi uma tarefa difícil?

GC – Em 2014 foram nomeados a nível nacional quatro centros de tratamento de hipertensão pulmonar entre os quais o nosso. A atividade do centro de hipertensão pulmonar dos HUC iniciou-se formalmente em 2000.  O trabalho que já vínhamos desenvolvendo nesta área permitiu-nos encarar com tranquilidade a candidatura a centro de tratamento.

SO – Qual o volume de atividade assistencial anual do serviço?

GC – O nosso movimento assistencial em ambulatório situa-se atualmente em 1500 consultas por ano. No presente temos em seguimento ativo sob terapêutica específica mais de 100 doentes.

SO – A multidisciplinaridade e experiência comprovada na doença foi um obstáculo?

GC – Dentro do nosso hospital temos desenvolvidos protocolos com especialidades de áreas afins e com outros departamentos fundamentais como é o caso dos Serviços Farmacêuticos.

Foi constituído um grupo de enfermagem diferenciado e a partir de 2009 foi formalizada uma consulta de enfermagem e um hospital de dia de hipertensão pulmonar. Este corpo de enfermeiros mais dedicado tem um papel central na atividade do centro estabelecendo elos de ligação e implementando o ensino de doentes e familiares e promovendo a articulação com os centros de saúde de proximidade.

Dinamizamos um grupo de trabalho de hipertensão pulmonar que engloba colegas de várias especialidades dos hospitais da Região Centro e que reúne periodicamente para estabelecer protocolos, discutir casos e definir estratégias de cooperação.

Estamos articulados com centros estrangeiros de referência o que nos tem permitido discutir casos de maior complexidade e referenciar doentes para outras técnicas menos acessíveis em Portugal como é o caso da endarterectomia pulmonar e angioplastia pulmonar por balão.

SO – Foi necessário reforçar o quadro de pessoal para cumprir este critério?

GC – A equipa médica é constituída por 3 elementos (dois cardiologistas de adultos e um cardiologista pediátrico) e a equipa de enfermagem por quatro. Todos estes profissionais desempenham outras atividades dentro do Serviço. Os contactos da equipe estão acessíveis a doentes, familiares e profissionais médicos e de enfermagem envolvidos no cuidado aos doentes.

SO – Um centro de referência é, também, por excelência, um centro com potencial de investigação. No vosso serviço esta vertente é valorizada?

GC – A investigação clínica tem sido progressivamente privilegiada e mais recentemente demos início a projetos de investigação básica. Refletindo a aposta nesta área foram já produzidos dois doutoramentos no campo da hipertensão pulmonar, nas áreas médica e de enfermagem.

A participação em ensaios clínicos aleatorizados internacionais, uma parte integrante da nossa atividade, tem possibilitado o acesso mais precoce às inovações terapêuticas, com cerca de duas dezenas de doentes já incluídos.

SO – É possível marcar um “ponto de viragem” no tratamento da doença com efeitos marcantes no prognóstico?

GC – O ponto de viragem é sem dúvida o surgimento de fármacos com benefício comprovado pela evidência científica na redução dos sintomas e aumento da sobrevida.

SO – O transplante pulmonar é uma opção?

GC – O transplante pulmonar continua a estar indicado nos casos em que a terapêutica médica máxima não teve sucesso. Na área da hipertensão pulmonar o número de transplantes realizados está muito aquém das necessidades.

SO – Uma nota final….

GC – O estudo e tratamento de doentes com HAP é complexo e coloca desafios muito próprios sendo essencial o contributo coordenado de várias especialidades médicas e de vários técnicos de saúde. O seguimento destes doentes deve ser feito nos centros de tratamento já identificados de forma a concentrar os recursos humanos e técnicos e assim maximizar resultados na abordagem desta doença rara.

Embora não se possa falar ainda de cura, estamos cada vez mais próximo da era em que a HAP será vista como uma doença crónica e controlável.

SO

 

 

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