Centros de Responsabilidade Integrada. “Um dos pilares mais importantes na reforma da Saúde”

João Varandas Fernandes assumiu, no passado dia 26 de maio, funções como presidente da CCRIA - Convergência dos Centros de Responsabilidade Integrada Associação. Ao SaúdeOnline realça as mais-valias de um modelo organizacional que está a atrair profissionais, não esquecendo os seus riscos associados.

Como surgiu a ideia desta associação?

A CCRIA, sem fins lucrativos, integra todos os responsáveis pelos CRI que já estão no terreno. Todos nós acreditamos que os CRI são uma das vias para um SNS de maior qualidade, mais moderno, mais organizado. É essencial passar de um sistema burocrático para um mais empreendedor. Temos a expectativa de que, de facto, o Governo vai apostar nos CRI nos próximos tempos, daí ser importante, também, haver esta entidade. Para os profissionais de saúde não basta pensar na produção, mas também na qualidade assistencial que se presta aos cidadãos. E isso é possível com os CRI.

Acabam por ser a voz de todos os CRI?

A nossa principal missão é a representação, acompanhamento, dinamização e promoção dos CRI, que são um dos quatro grandes pilares do setor da Saúde em Portugal. Além destes centros, o caminho para que haja uma reestruturação no setor deve passar por unidades locais de saúde (ULS), já anunciadas pela Direção Executiva do SNS; unidades de saúde familiar (USF), que deverão transitar para modelo B; e as urgências metropolitanas. Os recursos humanos são escassos e é preciso pensar-se em modelos organizacionais que permitam manter a prestação de cuidados de saúde no SNS.

“Uma das vantagens [dos CRI] é que são constituídos por equipas multidisciplinares, o que facilita a abordagem mais global do doente”

Nos CRI, os profissionais – médicos  e não só – recebem incentivos financeiros consoante os objetivos atingidos. Isso é importante para atrair os profissionais, mas será apenas isso?

Não! O CRI é uma estrutura orgânica de gestão intermédia, dependente dos conselhos de administração (CA). Uma das vantagens é que são constituídos por equipas multidisciplinares, o que facilita a abordagem mais global do doente. Além disso, implica a responsabilização de todos os profissionais por um projeto comum, o que pressupõe, obviamente, um desempenho coletivo e individual. Isto prevê, obviamente, a adoção de boas práticas e uma gestão eficiente de proximidade. Para tal, é necessário que os processos de monitorização sejam eficazes para se controlar o desempenho. Note-se que, apesar de haver um plano a 3 anos, é elaborado um contrato anual, que se divide em atividade assistencial (consultas, cirurgias, etc.) e indicadores de desempenho (publicações, formações, ensaios clínicos, etc.). Os custos também são importantes, como é lógico.

Neste processo de contratualização, numa forma geral, existe um objetivo de produção e de atividade assistencial e objetivos de desempenho (índice de atividade global). A partir daqui definem-se os incentivos, que têm uma componente fixa e uma componente variável. A primeira resulta, no caso das especialidades cirúrgicas, no valor da produção adicional contratada e, a segunda, é a aplicação máxima de 15% ao valor da produção adicional. E é atribuída em função do índice de desempenho global.  Existe uma escala. Tudo isto contribui para que todos os profissionais – não apenas os médicos – se sintam motivados. Não é apenas a questão da remuneração, mas também do trabalho verdadeiramente em equipa multidisciplinar e, claro, a organização em si.

 

Também acabam por ter outra força para terem mais recursos materiais que vão permitir melhorar o desempenho em muitos casos?

Exato! Também. Acima de tudo, contribui para uma melhoria significativa do percurso do doente e, simultaneamente, verifica-se uma otimização das listas de espera para consulta e cirurgia.

“Temos que divulgar, incentivar e dar apoio  ao que for necessário fazer para se implementar os CRI também nas áreas médicas e nas de meios complementares de diagnóstico e terapêutica”

Neste caso está a referir-se às atividades cirúrgicas. Uma das incógnitas em relação a este modelo é a sua aplicação nos serviços não cirúrgicos. O que vai fazer a Associação relativamente a este ponto?

Essa é uma das missões da CCRIA. Temos que divulgar, incentivar e dar apoio  ao que for necessário fazer para se implementar os CRI também nas áreas médicas e nas de meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Não quer dizer que as cirúrgicas venham a ser esquecidas! Estas terão, obviamente, que evoluir, quer do ponto de vista organizacional quer de financiamento. Penso que nas áreas médicas devem ser introduzidos mais indicadores por função do tempo e devem ser alargados os incentivos institucionais que devem ir muito além da produção.

 

A introdução de novos indicadores é mesmo o grande desafio para se conseguir chegar mais a essas áreas não cirúrgicas?

Sim, assim como o alargamento dos incentivos em tudo o que vá além da produção. Há vários indicadores, requisitos, que podem ser contratados, que têm de estar de acordo com os CA, mas que, inevitavelmente, também têm de ter por base uma orientação política do próprio Governo. A Tutela tem que ter um desígnio.

“Os CRI têm uma grande força de autonomia, um controlo das atividades para um desempenho que é controlado ao momento”

Os CRI poderão ser uma alavanca para a implementação, no setor público, da Medicina Baseada no Valor?

Acho que sim, é um dos caminhos. Os CRI têm uma grande força de autonomia, um controlo das atividades para um desempenho que é controlado ao momento. Estes centros obrigam a uma atualização constante e a uma diferenciação da equipa. Também existe uma previsibilidade, isto é, sabe-se a priori que aqueles profissionais vão ter aquele projeto durante, pelo menos, 3 anos.

 

Poderão ajudar na fixação dos profissionais no SNS?

Sim, nomeadamente dos novos especialistas. Mas também existe a possibilidade de se estabelecer parcerias com outras unidades de saúde, de melhorar e de corrigir indicadores em tempo quase real… o próprio know-how técnico é aumentado, porque cria-se uma rotina cirúrgica – nos casos dos cirúrgicos – que permite uma maior experiência.

 

E os especialistas que estão no setor privado?

Sim, porque não? Já existem colegas do privado que procuram saber o que é o CRI, como é trabalhar neste modelo.

 

Outro ponto de atração pode ser também o foco na investigação, nomeadamente porque no setor público existe uma forte ligação, há muitos anos, com a academia?

No caso dos ensaios clínicos, com a devida autorização, qualquer serviço poderá ter esse tipo de projetos. Mas é de facto muito importante ao fazer parte dos indicadores de desempenho.

 

O facto de os CRI implicarem verbas, por causa dos incentivos, não poderá ser um entrave para que este ou outro Governo apostem mais nestes centros? Tudo o que envolva dinheiro é um problema, sobretudo para o Ministério das Finanças …

Não sei…Parece-me que não é um entrave, visto que os CRI têm um desempenho económico e financeiro contratualizado com o CA. O custo por doente aumenta, obviamente, consoante o mercado, mas o que está em causa é uma melhor gestão com este modelo. É uma gestão mais rigorosa, de maior proximidade, que permite resolver os problemas ab initio. A resolução praticamente no imediato impede o aumento dos custos, daí que os CRI sejam uma mais-valia para o próprio Governo e também para o CA. No que diz respeito aos recursos materiais, nomeadamente equipamentos, existe uma contratualização anual, na qual são apresentadas as necessidades existentes.

 

A criação de mais ULS, anunciada pela Direção-Executiva do SNS (DE-SNS), vai favorecer a adoção deste modelo?

Penso que sim! Acredito que pode até potenciar a sua implementação, porque o circuito doente é mais escorreito. A integração funcional entre hospital e cuidados de saúde primários é muito importante.

“Há várias ameaças. A maior é a relação entre os serviços que são CRI e os que não são CRI, porque os primeiros estão a começar ou já estão em fase de desenvolvimento, e os segundos, olham para os CRI com dúvidas e, até, com alguma angústia”

E os profissionais de saúde, a nível nacional, estão motivados para abraçarem este modelo organizacional?

Existe uma expectativa, no geral. Um dos papéis da CCRIA é estabelecer relações com os diversos colegas e com os CA para os ajudar sempre que tenham interesse em avançar nesse sentido. Um dos pilares mais importantes na reforma da Saúde é a criação e o desenvolvimento de CRI.

 

Como em tudo, há o outro lado da moeda. Quais são os riscos associados aos CRI?

Sim, obviamente, nem tudo é um mar de rosas. . Isso não é saudável para o ambiente hospitalar. A organização dos hospitais tem que passar por unidades funcionais e CRI, na minha opinião. Outro aspeto relevante no que diz respeito a riscos é o tempo operatório, que poderá, nalguns locais, ser insuficiente, o que atrapalha a produção e, por conseguinte, os objetivos propostos. A capacidade instalada nos tempos operatórios obriga, nestes casos, a uma negociação com o CA, porque o Bloco Operatório nem sempre integra o CRI e tem horários definidos para diferentes especialidades.

Obviamente, também há o risco de mudanças operacionais… Infelizmente, em Portugal, existe o hábito de se iniciar um projeto técnico e transversal num dado Governo e no que se segue altera-se tudo. Outros riscos são as dificuldades na comunicação e a insuficiente informação clínica para se fazer os registos que permitem os tais incentivos variáveis. Realço ainda a questão das camas de internamento que têm de estar disponíveis para quem necessita realmente de tratamento. Mas, na prática, sobretudo nalgumas regiões, ainda se verificam muitos casos de internamentos sociais, que nos impedem de cumprir com os objetivos.

 

Mas será que vamos ter hospitais apenas com CRI?

É possível… Penso que os centros de referência, mais tarde ou mais cedo, têm que caminhar para CRI. Trata-se, de facto, de uma estrutura flexível, com alguma autonomia, e que depende da contratualização com os CA e dos próprios profissionais de saúde. Não depende de vontades externas.

“Sou um defensor do SNS e da sua reorganização. Tudo leva o seu tempo”

São uma possível solução para se acabar com o que diz ser “o marasmo no SNS”?

Sou médico desde 1984. Já vi muita coisa. Acredito que sim, mas o meu otimismo é regrado. Atualmente, existem sinais por parte da Tutela de que se quer apostar neste modelo organizacional. O SNS é um pilar económico-social fortíssimo. Faz parte da nossa fundação democrática e temos de o preservar. Sou um defensor do SNS e da sua reorganização. Tudo leva o seu tempo. Eu e outro colega trouxemos a Triagem de Manchester para Portugal e recordo bem como essa medida foi polémica. Mas, com todas as controvérsias, temos bons resultados. Seguiram-se as parcerias público-privadas… Aqui está um exemplo do que não devia ter sido extinto, mas desenvolvido… Pouparam-se muitos milhões ao Estado. Enfim, é preciso ser otimista, mesmo que de forma regrada.

 

Foi convidado para ser responsável por uma unidade de missão dos CRI. Já aceitou?

Ainda não. O Dr. Fernando Araújo, diretor do DE-SNS, assim como o Sr. Secretário de Estado, fizeram-me o convite, contudo ainda estou a ponderar. Estou disponível para ajudar em tudo o que seja necessário para reestruturar o SNS, mas relativamente a esta função, a tempo, direi qual é a minha decisão.

 

Texto: Maria João Garcia

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