5 Ago, 2021

“Ao contrário do que muitos pensam, as doenças cardíacas matam mais mulheres que homens”

Em entrevista, a Diretora do Serviço de Cardiologia da Unidade Local de Saúde de Matosinhos salienta o crescente peso que as doenças cardiovasculares têm nas mulheres, à boleia do aumento dos fatores de risco nesta população.

Qual é a prevalência de doenças cardiovasculares a nível nacional e mundial?

As doenças cardiovasculares (DCV) constituem a principal causa de morte no mundo e, em particular, na Europa. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que em 2019 tenham morrido 17,9 milhões de pessoas devido a DCV, correspondendo a 32% de todas as mortes. Isto apesar dos avanços médicos mais recentes, que contribuíram para uma ligeira diminuição da mortalidade cardiovascular nos últimos anos.

Em Portugal, no ano de 2017, a mortalidade relacionada com a DCV representou quase um terço da mortalidade total. De forma preocupante, tem-se verificado um agravamento da mortalidade prematura, isto é, abaixo dos 70 anos, tornando a prevenção destas doenças uma prioridade.

Este tipo de patologias apresenta maior incidência em alguma faixa etária ou sexo?

A prevalência das DCV aumenta com a idade e é mais frequente nos homens em idades mais jovens e nas mulheres em idades mais avançadas, geralmente após a menopausa.

Ao contrário daquilo que muitos pensam, as doenças cardíacas matam mais mulheres que homens e são mais fatais que todas as causas de cancro combinadas. No entanto, o número de anos de vida perdidos (relativamente à esperança média de vida) é substancialmente maior nos homens.

Qual tem sido a evolução do risco cardiovascular especificamente nas mulheres?

Tal como nos homens, as DCV são a principal causa de morte nas mulheres. Nas sociedades ocidentais, a mortalidade por doença coronária ultrapassa aquela associada ao cancro da mama, cancro uterino e a mortalidade periparto. Só na Europa, 23% da mortalidade no sexo feminino deve-se a doença coronária.

O risco de DCV na mulher tende a crescer com o aumento dos fatores de risco. As mulheres têm apresentado maiores índices de excesso de peso e obesidade e, consequentemente, maior frequência de hipertensão arterial e de DM tipo 2. Da mesma forma, nos últimos anos, tem-se verificado maior crescimento nos hábitos tabágicos, em contraciclo com a tendência observada no sexo masculino. Estes dados são preocupantes e levam-nos a refletir sobre a necessidade de atuar cedo na consciencialização e prevenção.

Por outro lado, há indicadores de maior risco que importa conhecer. Por exemplo, ter diabetes ou hipertensão na gravidez aumentam o risco cardiovascular, mesmo após normalização após o parto. Estas mulheres necessitam um seguimento mais apertado nas consultas de vigilância, seja no seu médico, seja no seu ginecologista.

Finalmente, há fatores de risco cardiovascular ou de doença cardíaca que são específicos do sexo feminino. São exemplo as doenças ginecológicas como a síndrome do ovário poliquístico ou a endometriose, e doenças inflamatórias mais frequentes nas mulheres, como o lupus ou a artrite reumatoide.

Qual é o papel dos profissionais de saúde na promoção da manutenção da saúde cardiovascular?

De uma forma geral, as pessoas conhecem a maioria destes fatores de risco e as indicações para uma vida saudável. O problema é que estamos a falar de alterações de “estilos” de vida e não de fatores pontuais. Esta mudança tem grandes implicações familiares e até profissionais, sendo que envolve as famílias e não apenas o indivíduo se queremos ter resultados sustentados.

Os profissionais de saúde devem ser o veículo de divulgação desta informação e facilitadores da sua implementação, mas nada se conseguirá se a população não interiorizar as vantagens a longo prazo destas medidas. E agora, mais que nunca, é importante não nos esquecermos que, apesar da covid-19, continua a morrer-se mais de DCV.

SO

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