“A OE deve ser um ator relevante na definição e avaliação das políticas de saúde”

Mário André Macedo, enfermeiro especialista em Saúde Infantil e Pediátrica, é um dos candidatos a bastonário da Ordem dos Enfermeiros. Em entrevista ao SaúdeOnline, destaca o papel que a Enfermagem deve ter no setor da Saúde e como a Ordem dos Enfermeiros (OE) tem um papel importante para que tal aconteça.

Porquê esta candidatura à Ordem dos Enfermeiros (OE)?

Os Enfermeiros Unidos querem contribuir para a mudança do paradigma dos cuidados de saúde em Portugal. Acreditamos que os enfermeiros devem ter mais responsabilidade e competências, porque com isso vai ser possível fazer crescer a Enfermagem mas também a Saúde no geral. A Enfermagem precisa de uma alternativa e de ter um espaço livre e democrático, onde as pessoas possam participar. Esta candidatura é uma resposta a muitos colegas que fomos ouvindo em conversas um pouco por todo o país.

 

Que alternativa é essa?

Repare-se que os problemas da Enfermagem em 2023 são os mesmos que  de 2015! Isso revela que, nos últimos 8 anos, temos assistido a uma estagnação e a uma falta de visão por parte dos corpos da OE. Os Enfermeiros Unidos acreditam que o próximo mandato da OE tem que ser realmente inovador, ambicioso. E deve ter uma visão para a profissão e um compromisso inabalável com a democracia interna.

“O que nós acrescentamos aos cuidados de saúde é uma visão holística, integrada, centrada na qualidade”

E qual é a essa visão?

A OE deve ser um ator relevante na definição e avaliação das políticas de saúde. É inconcebível como o maior grupo profissional da saúde, que somos nós enfermeiros, não tem voz nas políticas de saúde. Pior, está mesmo impedida por lei de exercer funções de coordenação em algumas áreas. Isso tem de mudar, temos que melhorar o nosso capital social e cultural de forma a dar a volta a esta situação. Outro ponto importante da candidatura diz respeito ao financiamento em saúde. Este é essencialmente feito com base nos atos e práticas da classe médica, está muito associado ao que os médicos fazem. Mas esquece-se a variável qualidade e o que os enfermeiros fazem. O que nós acrescentamos aos cuidados de saúde é uma visão holística, integrada, centrada na qualidade. Se se conseguir melhorar  a forma como se financiam os cuidados de saúde, colocando na equação o que os enfermeiros fazem, não só estamos a contribuir para a melhoria dos cuidados prestados ao cidadão como estamos a valorizar a profissão, permitindo que a mesma cresça.

 

Quando se refere às áreas que devem liderar, quais são?

Os enfermeiros são tão bons ou tão maus como outros profissionais. Não somos especiais. O que nos incomoda é saber que, por motivos legais, os enfermeiros estão impedidos de liderar muitos processos, serviços  e unidades. Em termos de liderança informal, os enfermeiros são líderes por excelência na promoção da saúde e na prevenção da doença, na área escolar, na saúde da comunidade, são gestores de caso, líderes na integração de cuidados, etc. Devíamos valorizar e incentivar aquilo que os enfermeiros já sabem fazer, colocando-os no centro do ecossistema de saúde. Nessa liderança informal, a responsabilidade dos atos recai sobre outros profissionais. Mas o que defendemos é que seja formalmente reconhecida como sendo nossa. É o que se passa, por exemplo, com as últimas normas da Direção-Geral da Saúde (DGS) para os partos.

“É um grupo profissional muito proativo, com competências específicas, mas que nem sempre as consegue colocar em prática”

É também uma forma de se reconhecer os enfermeiros especialistas?

Exato! Há cada vez mais enfermeiros com uma especialidade. É um grupo profissional muito proativo, com competências específicas, mas que nem sempre as consegue colocar em prática.  No caso específico dos partos, há décadas que fazemos partos. No Serviço Nacional de Saúde (SNS), 80% dos partos (de baixo risco) são feitos por enfermeiros especialistas. Toda a polémica que tem existido em torno desta norma só demonstra que o corporativismo faz mal à saúde.

 

Relativamente às carreiras e aos salários, o que deve ser feito?

O salário médio nacional apanhou o salário médio dos enfermeiros e nunca tal tinha acontecido na nossa história. Um enfermeiro que se reforme hoje, fá-lo com menos 20% do que um colega há 15 anos. A Enfermagem continua a ser encarada como uma despesa e não como um investimento, ou seja, como uma forma de melhorar o acesso a cuidados de saúde de qualidade. Podem dizer que esta questão diz respeito mais aos sindicatos. Mas não é bem assim! E porquê? Porque os baixos salários e as carreiras desadequadas estão a contribuir para que os enfermeiros abandonem o SNS, emigrando inclusive para outros países com melhores condições ou, então, deixam a profissão. Esta conjuntura diminui o acesso a cuidados de saúde. Atualmente, já é difícil contratar enfermeiros em Portugal! Face a tudo isto, não nos podemos desligar destas questões e é preciso que a OE crie condições para que os sindicatos possam, numa fase posterior, negociar com o Governo. Temos que reter os nossos talentos.

“… o corporativismo faz mal à saúde. Chocou-me quando ouvi a Ordem dos Médicos a dizer que o diretor executivo do SNS tinha de ser médico”

E sem corporativismo?

Sim, como disse anteriormente, o corporativismo faz mal à saúde. Chocou-me quando ouvi a Ordem dos Médicos a dizer que o diretor executivo do SNS tinha de ser médico. Isto não faz qualquer sentido! O mais importante é que fosse alguém com competências para o cargo, independentemente da classe profissional. A nossa função enquanto Ordem não é defender o corporativismo, mas o acesso a cuidados de saúde de qualidade. Esta é a nossa missão e naquilo em que nos devemos centrar, enquanto profissionais de saúde e como órgão regulador.

Texto: Maria João Garcia

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