A dor vem com a idade?
Médica Assistente em MGF
“É da idade” – diz-me a senhora Felismina, lamentando-se da sua dor crónica do joelho. Na verdade, existe uma tendência para atribuir à idade todo o peso da dor crónica, à qual se alia a postura de aceitação de viver com dor, como se fosse esse o nosso triste fado. Isto leva inevitavelmente à banalização da queixa, que começa no próprio doente e termina nos profissionais de saúde, e consequentemente, a um subtratamento. Mas sendo a dor um sintoma tão impactante e incapacitante, por que nos conformamos com ela?
Com o aumento progressivo da esperança média de vida nos últimos anos, tem-se verificado um incremento de queixas álgicas na população com ≥65 anos. Com este aumento, temos vindo a constatar igualmente um crescimento no número de idosos frágeis, uma vez que a prevalência de determinadas patologias, como a osteoartrose ou o cancro, é mais elevada.
Portanto, parece existir uma maior frequência de dor crónica nesta faixa etária não só pela prevalência aumentada de determinadas patologias, mas também pelo facto dos indivíduos viverem cada vez mais anos. Infelizmente, principalmente no nosso país, viver mais não significa viver melhor. A dor crónica no idoso, tendencialmente multifatorial, não só é mais frequentemente multifocal, como a sua intensidade parece ser maior, habitualmente moderada a forte, e mais prolongada no tempo.
Esta parece igualmente estar envolvida num ciclo vicioso, associando-se a outras condições frequentemente descritas nesta faixa etária, como os distúrbios de sono, a diminuição do apetite, a agitação, o aumento do risco de queda e o défice cognitivo. Adicionalmente, tem impacto a nível social e financeiro, uma vez que se associa frequentemente a um aumento do risco de polimedicação e de interações medicamentosas, o que em última instância culmina num maior consumo de recursos e a um aumento dos custos em saúde.
Por este motivo, a dor crónica deixou de ser encarada como um sintoma para ser considerada por si só uma entidade nosológica, com todas as repercussões que recaem sobre o próprio, o seu núcleo mais próximo, mas também sobre toda a sociedade.
Perante esta realidade, por que motivo não estamos a ser eficientes no tratamento da dor no idoso? O facto de a dor crónica ser uma condição subjetiva, por vezes considerada como uma doença invisível, leva muitas vezes à sua desvalorização. A Direção-Geral da Saúde instituiu a “Dor como o 5.º sinal vital” em Portugal através da circular normativa nº 09/DGCG de 14 de junho de 2003. Esta foi uma tentativa de tornar a dor visível, objetivável, de forma a definir uma estratégia terapêutica adequada ao seu controlo, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos doentes, ao reduzir a morbilidade.
Apesar de muito ter avançado no sentido do tratamento da dor, nomeadamente através da criação de Unidades de Tratamento da Dor por todo o país, há ainda um grande caminho pela frente, na desconstrução de mitos e medos, quer por parte do doente quer por parte dos profissionais. Para isto é essencial ter em conta todas as dimensões do doente, não só a dimensão física, mas também psicológica, social, religiosa e cultural, desmistificando conceitos errados, nomeadamente de que a dor é uma componente normal do envelhecimento.
O controlo da dor deve ser encarado com um dever ético de todos os profissionais de saúde e um direito universal dos doentes, mostrando-se essencial passarmos da teoria à prática no que ao tratamento da dor diz respeito, sem nunca esquecermos ou desvalorizarmos o sofrimento desta população mais frágil, como é a população geriátrica.