29 Out, 2018

Repensar a Imunologia na Esclerose Múltipla

“A EM é o resultado de redes imunoreguladoras desequilibradas”

20th MS Nurse International Workshop – “A generation of evolution in MS nursing”

 

A enfermagem como área basilar nos cuidados aos doentes com Esclerose Múltipla

Na gestão da doença e do doente com EM é fundamental a existência de um modelo integral e em rede e, nesse aspeto, os enfermeiros assumem, cada vez mais, um papel que é essencial e basilar. Precisamente para celebrar “Uma geração de evolução na enfermagem na Esclerose Múltipla (EM)” foram muitos os profissionais de saúde que se reuniram, no passado dia 9, em Berlim, Alemanha, para a 20.ª edição do MS Nurse International Workshop.

Médicos, enfermeiros e doentes partilharam os seus conhecimentos e experiências sobre esta patologia, que tem crescido na sua complexidade, nomeadamente em termos de novos alvos de tratamento, de tecnologias que permitem estabelecer um diagnóstico mais eficaz e ainda na personalização na abordagem terapêutica. 

“Repensar a Imunologia na Esclerose Múltipla”

 

“A EM é o resultado de redes imunoreguladoras desequilibradas”

 

Ainda desconhecemos o que provoca exatamente o aparecimento da Esclerose Múltipla (EM), mas sabemos que resulta de disfunções imunitárias e que são mais de 200 os genes envolvidos no mapa genómico da patologia. Foi sobre esta complexa relação entre o ambiente e os genes que incidiu a palestra do Prof. Dr. Patrick Vermersch, diretor do Departamento de Neurocirurgia do Centre Hospitalier Universitaire de Lille, em França.

Provavelmente o mais importante dos genes é o antigénio leucocitário humano (HLA) – um grupo de proteínas cujo papel é o de fornecer antigénios às células imunológicas. Mas, como sublinhou o especialista em Neurologia e Imunologia Clínica, “são muitos os genes envolvidos na suscetibilidade patológica da EM e na regulação imune”.

Segundo o neurologista, “além do ambiente, pensa-se que também a obesidade, os maus hábitos alimentares, o tabagismo, alguns vírus ou bactérias possam ter algum papel na patologia da doença”, acrescentando que “as células adaptativas da imunidade podem ter um papel mais central do que se pensava”.

Aliás, como destacou o orador, “estas são células que precisam de ser educadas e ensinadas a reconhecer o seu alvo, dentro das quais, a células B e T constituem peças-chave da imunidade adaptativa e que talvez induzam especificamente algumas células adaptativas”.

Como tal, “um ponto-chave para o repensar da Imunologia passa por demonstrar que os linfócitos têm um papel importante na doença imunitária e, possivelmente, na EM”, constatou o orador.

Contextualizando este papel, o especialista observou que “a ativação das células imunitárias na EM ocorre provavelmente em fases prévias da doença” e que “há evidências de que no processo da doença atuem mecanismos imunológicos”. Aliás, a maioria dos estudos realizados sugere que “o processo de desmielinização ativa na EM envolve uma reação inflamatória com acumulação de linfócitos T e B, particularmente perivascular”, reforçou.

Depois, a infiltração linfocítica do sistema nervoso central (SNC) constituiu um passo fundamental para identificar a fisiopatologia da doença, pois, como explicou à audiência, “quando ativados, estes linfócitos são capazes de penetrar a barreira hematoencefálica e quando a doença está ativa verificamos a existência de uma quantidade aumentada de linfócitos T e também B, algo que não se verifica em doentes sem a patologia”. Ou seja, sublinhou o Prof. Dr. Patrick Vermersch, “podemos concluir que a EM é o resultado de redes imunoreguladoras desequilibradas”.

Papel das células T CD4 e CD8 nas lesões da EM

Abordando especificamente o papel destes linfócitos, o também investigador falou à plateia de um modelo experimental em ratinhos, salientando que “existe evidência do papel das células T CD4 na EM e na encefalomielite autoimune experimental (EAE)”.

Foram realizadas duas experiências: A primeira consistiu numa transferência ativa, com a imunização realizada com peptídeos, e a segunda consistiu na transferência de linha de células T antígeno-específicas. E o que o especialista descobriu é que “a transferência de linha de células T antígeno-específicas é capaz de provocar a EM sem que haja a imunização ativa com peptídeos, o que nos indica que as células T CD4 podem ter um papel central na EM”.

Como salientou o imunologista clínico, “muitas lesões mostram um excesso de células CD4 Th1 e Th17” e “estudos revelam que “as variantes genómicas associadas à EM são mais ativas nas células Th1, Th17 e CD 8 e células dendríticas”.

Mas, há também uma outra categoria das células T, as T CD8, que, na opinião do Prof. Dr. Patrick Vermersch, também assumem um papel importante neste processo. “Sabemos que as células T CD8 são citotóxicas e que podem agir diretamente contra o seu alvo e, com a progressão da doença, verifica-se que o número de células T CD8 é muito maior do que de células CD4”.

Citando o estudo “Clonal expansions of CD8(+) T cells dominate the T cell infiltrate in active multiple sclerosis lesions as shown by micromanipulation and single cell polymerase chain reactionJ Exp Med. 2000 Aug 7;192(3):393-404, o neurologista destacou o facto de existir uma expansão clonar desta categoria de células. Mas, “mais impressionante”, na sua opinião, “é a agressividade destas células, que são muito ativas e muito tóxicas para os neurónios”. Aliás, “sabemos que as CD 8 podem destruir de forma direta os axónios, uma parte do neurónio responsável pela condução dos impulsos elétricos”, evidenciou o preletor.

Em jeito de conclusão sobre o papel das células T, o imunologista destacou, como mensagem a reter que “está demonstrado que existe um desequilibro e uma função reguladora alterada das células T nos doentes e na capacidade de superar a proliferação das células. Ou seja, a EM resulta no defeito da capacidade de inibir a proliferação das células T”.

O múltiplo papel das células B na patogénese da EM

Mas há igualmente evidências crescentes de que as células B podem influenciar fulcral no aparecimento da EM, nomeadamente os TLc, os macrófagos e as imunoglobulinas. O estudo HERMES de fase II com anti-CD20 – cujo endpoint primário foi medir o número de lesões na ressonância magnética (RM) “demonstrou, em poucas semanas, um  rápido decréscimo do número de lesões”, observou o palestrante.

Sabe-se, então, que estas células B têm um múltiplo papel na patogénese, nomeadamente:

  • Como antigénios: Apresentando auto-antígenos e sinais co-estimulatórios para ativar as células T.
  • Como produtoras de citoquinas: Segregando citoquinas pró-inflamatórias em maiores proporções relativas às das citoquinas protetoras.
  • Como produtoras de autoanticorpos: Produção de autoanticorpos que podem causar danos aos tecidos e ativar macrófagos e células natural killer.
  • Como linfoide ectópico – agregados do tipo folículo: Através da criação de estruturas linfoides semelhantes a folículos linfoides, relacionados com a ativação da microglia, inflamação local e perda neuronal no córtex próximo.

 

Desta forma, como atestou o Prof. Dr. Patrick Vermersch, “as células B estão presentes no sistema nervoso central de pacientes com todas as formas de EM: em lesões ativas, lesões de expansão lenta, mas também em lesões inativas, na matéria branca e nas meninges”. Por outro lado, “sabemos que as células B que contém folículos linfoides estão presentes nas formas progressivas da EM, segregando agentes tóxicos para a mielina”, acrescentou.

O imunologista clínico lembrou, de seguida, que “é sabido que a apresentação antigénica das células B é fundamental para a autoimunidade”, sublinhando que no modelo experimental com ratinhos, já falado anteriormente, “a EAE é independente da produção de anticorpos”. Ou seja, “percebemos que a capacidade dos ratos em gerar antigénios foi independente da produção de anticorpos”. Além disso, “percebemos também que os ratos não conseguem ativar as células T com as células B”,observou.

Ainda sobre esta categoria de células, o investigador evidenciou que “as células B de doentes com EM podem ser desencadeadas para produzir perfis anormais de citocinas pró-inflamatórias” e que “os doentes com MS apresentam um nível de citoquinas anormais em comparação com controles saudáveis”, concluindo que “provavelmente, a produção de citocinas pelas células B influencia a atividade das células T”.

No fundo, afirmou o Prof. Dr. Patrick Vermersch no final da sua palestra, “a EM é uma patologia que resulta do diálogo entre as células T e B”.

Teresa Mendes

PT/NONNI/0918/0052b
Aprovado em: 10/2018

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