25 Mai, 2018

Entrevista ao Presidente do Centro Materno Infantil do Norte: “Portugal está numa situação de insolvência geracional”

A cerca de um mês de começar a segunda edição do CMIN Summit, que vai debater as "Origens Evolutivas da Saúde e da Doença", o Saúde Online esteve à conversa com o médico pediatra Alberto Caldas Afonso, que dirige o Centro Materno Infantil do Norte, sobre os fatores que podem potenciar (ou não) uma vida livre de doenças.

Quais são os temas que quer destacar neste segundo CMIN Summit?

Nós temos sempre um grande tema, que tenta fazer uma ligação entre aquilo que é a missão do CMIN, que é a área da mulher e a área da criança. Nós, este ano, vamos falar sobre as origens evolutivas – desde o que se passa com os progenitores, a parte do desenvolvimento fetal, a importância da saúde dos pais. Vamos falar sobre a importância que tem no inicio do ser humano desde a conceção até à idade adulta e de indicadores que possam influenciar no sentido de doença ou no sentido de que se vá tornar num ser saudável. No fundo, vamos debater a perspetiva do ciclo de vida até terminar o nosso crescimento e desenvolvimento e os fatores epigenéticos que influenciam. Este é o grande tema.

O facto de cada vez as mulheres adiarem a gravidez para depois dos 35 anos tem levado a um aumento dos problemas relacionados com a gestação?

Vamos também abordar isso. Sabemos que a idade da primeira gravidez está associada a fatores epigenéticos, no sentido de podermos ter algumas doenças genéticas – tem uma prevalência maior do que as gravidezes em idades mais precoces. Portanto, é um paradigma diferente na nossa sociedade. A idade da primeira gravidez passou, na última década, dos 23 anos para os 33 – que é a média atual.

Que problemas podem estar associados a essa mudança de paradigma?

Problemas na natureza do material genético que depois vai estar na base do feto. Num caso mais concreto, aquele que é provavelmente o mais conhecido de todos: a trissomia 21. O risco de trissomia 21 é maior numa gravidez tardia. As questões genéticas estão bem identificados hoje em dia mas há comportamentos, nomeadamente durante a gravidez, que podem fazer com que o feto vá nascer saudável ou com alguma doença. Estamos a falar de questões de natureza nutricional, de risco cardiovascular. Os primeiros dois anos de vida são determinantes daquilo que vai ser o nosso futuro. Cada vez mas esta é uma questão que tem sido discutido, o que mostra que o caminho que já foi feito no aumento da esperança média de vida – de se conseguir ter uma interferência direta em algumas patologias. É, por isso, importante ter um ciclo de vida o mais saudável possível, evitando as comorbilidades. O que me interessa viver até aos 80 anos se não tiver qualidade de vida?

Os cuidados de saúde em Portugal estão preparados para acompanhar o aumento dessas comorbilidades?

Têm de estar. Como sabe, a nossa pirâmide geracional está completamente invertida. Desde 2015, e pela primeira vez, o número de cidadãos abaixo dos 5 anos é inferior aos cidadãos com mais de 65 anos. A partir daí nós não conseguimos substituir a população ativa.

 

 

O CMIN acompanha de uma forma especial, certamente, as gravidezes de alto risco.

Sem dúvida. Nós enquanto nação, estamos numa situação demográfica muito preocupante. Estamos naquilo a que podemos chamar uma insolvência geracional. Nós estamos com uma taxa de fertilidade à volta de 1,2/1,3. Para revertermos esta quebra da natalidade que aconteceu nos últimos anos, precisávamos de passar para taxas de fertilidade – apenas para termos um equilíbrio – de 2,3/2,5. E estamos muito longe disso. E isto já não pensando no défice acumulado que temos. Para reportmos as nossas necessidades demográficas em 25 anos, tínhamos, no imediato, de começar a ter taxas de fertilidade a dobrar a que temos neste momento – e estamos cientes de que isso não vai acontecer.

Se eu lhe pedisse uma medida para tentar reverter essa situação, o que me diria?

Portugal tem de começar a receber cidadãos de outros países. A emigração é uma forma de termos alguma reposição demográfica. Com certeza de que todas as medidas de incentivo à natalidade devem existir, todas são poucas. Agora, há vários fenómenos, que aconteceram todos ao mesmo tempo, e que têm um efeito muito negativo na natalidade. Um deles é a estrutura da família. Hoje em dia 50% dos casais não são casados, o que não deixa de ter reflexos na questão da responsabilidade em ter filhos porque é uma ligação muito mais ténue e que mais facilmente se pode quebrar. Depois, o desemprego e a instabilidade no emprego não incentiva o “ter filhos”.

O CMIN tem tido, em contraciclo, um aumento muito interessante do número de nascimentos

Sim, temos tido porque, de facto, as condições de nascimento aqui são excecionais. A procura é enorme.

Qual têm sido os valores desse crescimento?

Nós temos vindo a aumentar a uma taxa de 5 a 10% todos os anos. O CMIN é concorrencial, num bom sentido. Nós temos privacidade, boas instalações, tudo isso. Mesmo naquilo que possam ser as situações mais complexas, quer para a mulher quer para o recém-nascido, temos todas as condições.

Hoje em dia, as mulheres já ouvem mais os conselhos dos médicos em relação aos cuidados que devem ter durante a gestação (cuidados alimentares, não beber, não fumar) ou esses conselhos ainda são muito ignorados?

Nós somos muito assertivos nisso. Esse é um período em que as mulheres, maioritariamente, estão muito sensíveis a isso. Portanto, aderem muito às boas práticas. Tem havido uma melhoria.

Que preocupações lhe levanta o tema da saúde masculina, um dos temas que vai ser abordado no CMIN Summit?

Questões como a infertilidade e a impotência sexual são temas que estão mais a montante. Claro que a infertilidade contribui para que haja maior dificuldade na fecundação. Nós temos aqui o banco nacional de gâmetas [sediado no próprio CMIN], portanto, esse é um assunto que conhecemos bem. Posso-lhe dizer que, quanto aos dadores de gâmetas masculinos, temos uma taxa de rejeição muito grande. Isto quer dizer que há questões importantes, relacionadas com o estilo de vida, envolvências ambientais e outras que estão a interferir com a qualidade do gâmeta masculino.

Qual é o objetivo da organização do congresso ao levar a debate a questão da identidade de género?

É um tema que está na ordem do dia. Queremos discutir esse tema de um ponto de vista cientifico, é um tema que seguramente vai ser objeto de algumas decisões de natureza legislativa.

Mas acha possível uma criança ter a capacidade para questionar a sua identidade, com 6 ou 7 anos?

Na adolescência, sim. Aliás, nós já somos abordados. Os profissionais têm de estar preparados para isso. Têm de estar na primeira linha de ação destas novas questões.

Saúde Online

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