Tempo de agir: 10 propostas para responder à escassez de profissionais de saúde
Candidatos a vice-presidentes da Direção da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF)

Tempo de agir: 10 propostas para responder à escassez de profissionais de saúde

Vivemos numa era de desafios, marcada, entre outros, por rápidos avanços científicos e tecnológicos, mudanças climáticas e um envelhecimento populacional significativo. Entre estes, a escassez de profissionais de saúde destaca-se como um problema urgente e transversal aos países desenvolvidos. A recente assinatura da Declaração de Bucareste, por representantes de 50 países europeus, sublinha a necessidade de ações políticas direcionadas à atração, recrutamento, retenção, distribuição, ensino e formação de profissionais de saúde. O envelhecimento da força de trabalho da saúde, a crescente evolução científica, técnica e tecnológica – que exerce grande pressão sobre os profissionais – e as qualificações que lhes são exigidas, bem como o grande stress psicológico a que os mesmos estão sujeitos são fatores comuns aos diferentes sistemas de saúde, que resultam no abandono das atividades e na diminuição da atratividade destas profissões para os jovens.

O cenário português é complexificado pela crescente procura de cuidados de saúde, pela degradação de infraestruturas e condições de trabalho, decorrente das políticas de contenção de investimento público, e pela marcada degradação salarial dos profissionais de saúde. Esta problemática é particularmente grave entre médicos – para os quais se prevê um número elevado de aposentações, sendo claras as idiossincrasias na sua distribuição entre o público e o privado, entre regiões e dentro das especialidades – e enfermeiros, na medida em que a comparação internacional parece sugerir que temos um número diminuto destes profissionais,  mas não exclui farmacêuticos. De acordo com a evidência disponível (aqui), Portugal é o oitavo país da União Europeia com maior rácio de farmacêuticos por habitante e, ao contrário do que acontece noutros casos, somos uma profissão relativamente jovem (64% com menos de 45 anos). Não obstante, importa acompanhar a evolução da profissão, particularmente as tendências de mudança de área profissional, em que se verifica um marcado abandono dos jovens farmacêuticos das áreas assistenciais. A demografia da profissão e a forte necessidade de implementação de medidas que assegurem o reforço da capacidade operacional do sistema de saúde fazem dos farmacêuticos um dos pilares a considerar num futuro próximo.

A resolução dos problemas de saúde e a melhoria do Serviço Nacional de Saúde (SNS) exigem uma reorganização dos modelos de prestação de cuidados e de trabalho, através da expansão e partilha de competências (task-shifting and skill-sharing) entre diversos grupos profissionais de saúde. Para solucionar estes problemas estruturais e conjunturais é-nos exigido que se repense o sistema e as profissões de saúde, de forma a garantir que cada agente de saúde está dedicado às atividades de maior valor, em função das suas qualificações. Esta mudança de paradigma é possível e trará certamente resultados muito positivos. É certo que será preciso derrubar princípios corporativistas e barreiras ideológicas, mas a saúde e o bem-estar dos portugueses exigem esse compromisso por parte de todos os intervenientes.

Adicionalmente, é de sublinhar a importância de medidas de valorização dos profissionais de saúde em todos os seus contextos. A prossecução deste objetivo, e em particular para a profissão farmacêutica, requer algumas medidas que nos parecem essenciais para o sucesso das reformas em curso:

  1. Participação cívica em saúde: Incluir as associações de pessoas com doença, e da sociedade civil em geral, na definição e implementação de políticas profissionais, garantindo uma abordagem centrada no cidadão;
  2. Bem-estar dos profissionais: Implementar medidas que promovam a conciliação da vida pessoal, familiar e profissional e que garantam a segurança e bem-estar dos profissionais de saúde, através, por exemplo, do reforço da saúde ocupacional com uma abordagem integrada aos riscos físicos e psicossociais.
  3. Valorização salarial: Assegurar a valorização salarial dos profissionais de saúde, considerando a evolução dos salários mínimo e médio nacional, por forma a garantir a atratividade dessas profissões. Pedro Pita Barros e Eduardo Costa (no Relatório de Recursos Humanos em Saúde de 2022) concluem que em 2011 o ganho médio dos médicos do SNS correspondia a 7,7 vezes o salário mínimo, valor que reduziu para 5,1 em 2022. Para os enfermeiros o ganho médio relativo ao salário mínimo desceu de 3,2 em 2011 para 2,5 em 2022. É possível deduzir que esta tendência de desvalorização do ganho médio face ao salário mínimo talvez se tenha verificado também para os farmacêuticos, dentro e fora do SNS, como aliás parece ter ocorrido para todas as profissões qualificadas, por força do aumento do salário mínimo, merecendo ser corrigida.
  4. Avanço e aplicação do conhecimento e evidência científica para a melhoria da saúde: Estimular a investigação clínica e doutoramento entre farmacêuticos, preferencialmente em ambientes empresariais e clínicos, promovendo o desenvolvimento e excelência profissional;
  5. Integração de cuidados e cooperação: Aproximar as farmácias comunitárias e laboratórios de análises clínicas à rede de cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares, integrando os sistemas de comunicação e informação e estabelecendo uma rede formal e eficiente de referenciação;
  6. Novos modelos de organização e prestação de cuidados: Introduzir modelos organizacionais flexíveis, privilegiando o trabalho de equipa e a expansão e partilha de competências, como é exemplo a consulta farmacêutica e de enfermagem e a vacinação por farmacêuticos;
  7. Competências Farmacêuticas: Promover e efetivar a criação de ‘Competências Farmacêuticas’, valorizando e diferenciando os farmacêuticos para o exercício de atividades científica e tecnicamente mais exigentes, como são os cuidados à pessoa com doença oncológica;
  8. Desenvolvimento de Carreira: Aplicar critérios universais de progressão de carreira, em função da qualificação e diferenciação profissional (upskilling), designadamente através das especialidades e competências farmacêuticas, do desenvolvimento profissional contínuo e da aplicação prática de conhecimentos;
  9. Alargamento dos serviços farmacêuticos em proximidade: Expandir os serviços farmacêuticos prestados nas farmácias comunitárias, aprofundando a intervenção do farmacêutico na atividade assistencial, através de protocolos de atuação clínica;
  10. Consolidação da Residência e da Carreira Farmacêutica no SNS: consolidar a residência e carreira farmacêutica no SNS, ajustando-a ao modelo de Unidades Locais de Saúde (ULS) e ao urgente investimento do sistema em cuidados de saúde continuados e ao domicílio.

A implementação destas medidas, algumas delas já em curso, exige diálogo entre todos os intervenientes no ecossistema farmacêutico e da saúde tanto na sua definição, assertividade e dinamismo, como na sua execução e no rigor da avaliação de todos os seus avanços. Estamos certos de que a sua concretização contribuirá para a eficiência global do sistema de saúde e para uma força de trabalho competente e motivada, que coloca ao serviço do cidadão o seu conhecimento e arte.

 

Notícia relacionada

Farmacêuticos do SNS protestaram no Porto contra falta de soluções profissionais

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais