Simplificação terapêutica, sim!… Mas são necessários mais estudos

À Prof. Doutora Marta Boffito, investigadora principal e diretora do serviço de VIH do Chelsea and Westminster Hospital, de Londres, coube abordar o dilema “Less is More”, que traduz o debate em torno das vantagens e desvantagens da simplificação terapêutica.

Esta questão traduz o debate em torno das vantagens e desvantagens da simplificação terapêutica; se existe evidência de que é melhor iniciar-se a terapêutica antirretroviral com menos de três fármacos e em doentes com supressão vírica de longo prazo.

A também reader do Imperial College iniciou a sua apresentação recordando que “devido aos avanços no tratamento, hoje os indivíduos infetados pelo VIH são mais saudáveis e vivem mais do que nunca. No entanto, a utilização prolongada do tratamento tem como consequência efeitos adversos contínuos e interações medicamentosas que podem afetar negativamente a sua qualidade de vida”.

De facto, apontou a especialista, até 1995 um diagnóstico de VIH era uma sentença de morte. Algo que mudou radicalmente em 1996 com a disponibilização de triterapias e que viria a superar todas as expetativas nos anos seguintes, com o advento de novos e mais eficazes medicamentos. Para o que hoje nos traz aqui, 1996 é, pois, o ponto de partida, pois foi então que se iniciaram os regimes terapêuticos com três medicamentos. Parecia, então, que os regimes baseados em dois medicamentos já não faziam sentido, mas não foi isso o que aconteceu.

De facto, ao longo dos anos, “surgiram várias opções terapêuticas baseadas em regimes de dois medicamentos que se revelaram de grande utilidade e eficácia em algumas situações específicas, como em indivíduos com resistências aos inibidores da transcriptase reversa ou aos inibidores da transcriptase reversa não nucleosídeos ou à maioria deles. Independentemente de tudo o mais, hoje em dia, quando nos referimos a regimes terapêuticos baseados em dois medicamentos, referimo-nos a regimes ‘booster free’, medicamento que aumenta a concentração plasmática de alguns antirretrovirais. Temos hoje uma profusão imensa de dados sobre a utilização de regimes baseados em dois fármacos mais um ‘booster’ de inibidor da protéase. Agora, estamos a tentar encontrar uma via intermédia, ‘booster free’, devido ao potencial iatrogénico em doentes cada vez mais envelhecidos, polimedicados e com um grande espectro de co-morbilidades, pelo que a discussão, neste momento, no que se refere a regimes terapêuticos de dois medicamentos incide maioritariamente em regimes ‘booster free’ contendo Dolutegravir. Poderá ser DTG em associação com Bictegravir, ou DTG/Lamivudina (3TC). Trata-se de uma abordagem verdadeiramente inovadora, tendo em conta que começámos com uma combinação que também incluía um ‘booster’”, sublinha Marta Boffito.

Prof. Doutora Marta Boffito, investigadora principal e diretora do serviço de VIH do Chelsea and Westminster Hospital, de Londres

Chegados aqui, a especialista questionou a audiência: “Qual é, então, o grande dilema que se nos apresenta?”, para logo responder: “deveremos fixarmo-nos nos regimes tradicionais baseados em três medicamentos ou avançar para regimes de dois medicamentos?”

“As guidelines europeias, da EACS, recomendam regimes com um inibidor da integrasse como terceiro agente para uma primeira linha de tratamento, combinado com dois inibidores da transcriptase reversa. E salientam que as opções devem ser pensadas ‘à medida’ de cada doente”, salientou Marta Boffito.

A lista de associações possíveis recomendadas pela EACS para primeira linha terapêutica inclui a associação B/F/TAF (bictegravir/emtricitabine/tenofovir alafenamide); DTG/ABC/3TC (Dolutegravir /Abacavir/Lamivudina), apenas se o teste HBsAg (antigénio de superfície do vírus da hepatite B) for negativo. Surgem ainda, como hipóteses, as associações DTG + F/TAF ou F/TDF (Dolutegravir/ tenofovir alafenamide ou Tenofovir disoproxil fumarato), entre outras. As guidelines europeias apresentam ainda uma série de outras opções, quando nenhum dos regimes referidos atrás for viável ou disponível, qualquer que seja a razão.

Marta Boffito salientou, no Virology Meeting Point 2019, que as associações recomendadas nas guidelines europeias para o tratamento de pessoas infetadas pelo VIH 1, naïve a tratamento, demonstraram, em ensaios clínicos já realizados, ou a decorrer, uma eficácia sustentada a longo-prazo, que os novos regimes ‘booster free’ são muito bem tolerados, conduzindo a um ponto em que se regista uma total ausência de resistências, “o que é notável”, sublinhou a especialista, avançando com exemplos: “os estudos 1489 (BIC/FTC/TAF e DTG/ABC/3TC) e 1490 (BIC/FTC/TAF e DTG + FTC/TAF), com a duração de 48 semanas, não registaram a superveniência de qualquer resistência associada a mutações. O mesmo aconteceu com outros estudos envolvendo diferentes associações incluídas nas recomendações da EACS”. Resultados que, salientou, “se verificaram quer em doentes naïve a tratamento, quer em situações de mudança de tratamento”.

Relevante, também, a reduzida ocorrência de efeitos adversos, que não ocorreram de todo com 3TC, FTC e TAF.

Outros estudos mostram ainda que a associação BIC/FTC/TAF não é inferior após “switch” de regimes “baseline” em mulheres com carga viral suprimida. E que estes resultados entre grupos de tratamento foram semelhantes independentemente da idade, raça, região geográfica e grau de adesão à terapêutica. Finalmente, referiu Marta Boffito, não foi encontrada qualquer resistência superveniente em indivíduos que fizeram a associação BIC/FTC/TAF.

Também disponíveis, acrescentou, “estão cada vez mais os dados relativos às associações num único comprimido, disponíveis desde 2006, que mostram melhorias significativas na adesão à terapêutica, baixo risco de hospitalização e altas taxas de supressão viral”.

Todavia, ressalvou, sabemos ainda pouco sobre a administração a longo prazo dos regimes baseados em dois medicamentos. “Em termos de eficácia e segurança, faltam-nos dados sobre a sua utilização em grandes grupos populacionais e dados de vida real e ainda em regimes baseados em FTC/TAF (emtricitabine/tenofovir alafenamide). Em termos de barreira genética, desconhecemos ainda as taxas de resistência a longo prazo, bem como o impacto das mutações na resposta virológica e as implicação da má adesão à terapêutica. Faltam-nos, também, dados relativamente a populações específicas, como grávidas, e infetados com hepatite C. Finalmente, são necessários mais estudos sobre o impacto destes regimes nos reservatórios virais e na ativação imune”, concluiu.

Miguel Múrias Mauritti

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