“Por cada 10 doentes do sexo feminino, apenas um homem é afetado pela colangite biliar primária”
No âmbito do Dia Internacional da Consciencialização para a Colangite Biliar Primária, que se assinala hoje, Arsénio Santos, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF), fala desta patologia, que afeta, na sua maioria, mulheres e que, se não tratada e diagnosticada atempadamente, pode evoluir para cirrose.
O que é a colangite biliar primária?
É uma inflamação crónica das vias biliares nos seus ramos localizados ao interior do fígado, que é provocada por um processo autoimune (o organismo ataca uma parte normal de si próprio). Se este processo progredir, leva à destruição dos ductos biliares, à formação de fibrose hepática e evolui para cirrose.
Sabe-me dizer qual a prevalência da doença?
Estudos epidemiológicos realizados em diversos países dizem-nos que a prevalência da doença pode variar, consoante as latitudes, entre 1,9 e 40 casos por cada 100 mil habitantes. Claro que há diferenças metodológicas dos diversos estudos que podem ajudar a explicar esta variabilidade. Mas, tendo em conta, além destas taxas, os dados que conhecemos da nossa realidade (está publicada uma casuística de vários centros portugueses que incluiu mais de 400 doentes), o facto de o seguimento dos doentes estar dividido por múltiplos médicos e centros clínicos e de ser presumível que haja bastantes casos por diagnosticar, acredito que possam existir em Portugal cerca de 2 mil doentes com colangite biliar primária (CBP).
“… Se este processo progredir, leva à destruição dos ductos biliares, à formação de fibrose hepática e evolui para cirrose”
Quem são as pessoas mais atingidas?
São predominantemente afetadas mulheres entre os 40 e os 60 anos de idade. A doença é rara no homem, pois por cada 10 doentes do sexo feminino, apenas um homem é afetado.
Quais os sinais e sintomas a que tanto doentes, como médicos assistentes devem estar atentos?
O sintoma mais frequente é a astenia, pois são comuns as queixas de fadiga, por vezes extrema. Sendo um sintoma inespecífico, a CBP deve ser sempre uma das hipóteses diagnósticas a considerar, sobretudo se surgir numa mulher entre os 35 e os 60 anos de idade. Depois, o prurido, que é um sintoma muito típico na CBP. E podem surgir outros, tais como dores musculares, dores articulares, xantomas e xantelasmas (que são acumulações de gordura subcutânea, formando pequenos nódulos) ou icterícia. Mas, muitos doentes podem ser assintomáticos durante anos. Nestes casos, as análises hepáticas ditas de rotina são o meio que permite suspeitar da doença.
As causas ainda são desconhecidas, correto?
Certo, desconhecemos a causa. Sabemos que está em causa um processo autoimune, em que o organismo se agride a si próprio. Mas, a razão por que isso acontece é desconhecida, sabemos que a doença pode estar associada a episódios prévios de infeção urinária ou a exposição a certos tóxicos, mas na prática clínica não identificamos habitualmente nenhum fator. É curioso que o risco de ter a doença é maior em quem sofrer de outra doença autoimune e em quem tiver um familiar direto com CBP.
“O sintoma mais frequente é a astenia, pois são comuns as queixas de fadiga, por vezes extrema”
Há forma de prevenir?
Não, não há forma de prevenir.
O diagnóstico é feito atempadamente?
Nem sempre. Alguns doentes só são diagnosticados em fase de doença avançada, por vezes já com cirrose. Pode, durante anos, ser assintomático ou ter sintomas ligeiros que não são valorizados, mas a doença estar a evoluir.
A doença tem cura? Em que consiste o tratamento?
A doença não tem cura, no sentido de se fazer um tratamento e o problema ficar resolvido. Mas temos medicamentos que, tomados ao longo da vida, melhoram as alterações hepáticas e impedem, ou retardam, a progressão das lesões hepáticas. Estes tratamentos, se bem feitos e instituídos atempadamente, são extremamente eficazes. Nos casos, felizmente raros, em que a doença evoluiu para cirrose, o transplante hepático pode estar indicado.
Quais são as especialidades que devem seguir estes doentes?
Estes doentes devem ser preferencialmente seguidos em consultas dedicadas à patologia hepática (muitas vezes designadas consultas de Hepatologia ou de Doenças Hepáticas), por médicos com conhecimento aprofundado e experiência nestas doenças. No nosso país, estas consultas estão disponíveis em muitos hospitais e são realizadas por médicos das especialidades de Gastrenterologia ou Medicina Interna.
A APEF está a promover, nas suas redes sociais, uma ação de consciencialização para a colangite biliar primária. Qual o objetivo desta campanha?
O objetivo primordial é divulgar informação sobre esta doença para as pessoas em geral e, de uma forma particular, sensibilizar os médicos e outros profissionais de saúde, para que estejam mais atentos, de modo a aumentar a sua deteção.
Dia 10 de setembro é Dia Internacional da Consciencialização para a Colangite Biliar Primária. Qual a importância de se assinalar este dia e deste tipo de campanhas?
Estas campanhas permitem que mais pessoas conheçam o problema. Também podem ajudar os médicos em geral, independentemente da área de especialidade em que trabalham, a relembrar estas matérias e a ficar mais atentos. Finalmente, estas são oportunidades de sensibilizar os decisores e os responsáveis pelas instituições para as necessidades destes doentes. No caso da CBP, os tratamentos podem ter custos elevados, que o nosso sistema de saúde comparticipa, mas nalguns casos há doentes que têm dificuldade em assumir a sua parte, pois os montantes podem ser significativos.
“Estas campanhas permitem que mais pessoas conheçam o problema. Também podem ajudar os médicos (…) a relembrar estas matérias e a ficar mais atentos”
SM
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