28 Fev, 2022

Paramiloidose. “Um terço dos doentes apresenta primeiras manifestações da doença depois dos 50 anos”

Ao SaúdeOnline, a neurologista expôs quais as formas mais simples de detetar esta doença neurodegenerativa. “A suspeita de diagnóstico deve ser elevada quando existe mais do que um sinal e ou sintoma”, salienta a médica, relativamente à deteção de casos em que a origem da patologia não é hereditária.

O que é a paramiloidose?
É uma doença crónica, neurodegenerativa e multissistémica, com origem hereditária. A proteína responsável por esta doença é a transtirretina, daí atualmente ser denominada pela sua abreviatura de amiloidose ATTRv. A neuropatia é a forma mais comum sobretudo no nosso país, e associada à mutação VALINA-30-METIONINA.

Nestes casos pode haver um envolvimento multissistémico, isto é envolvimento de outros órgãos que não apenas a neuropatia. Estes doentes podem ter um atingimento cardíaco, com apresentações diferentes de acordo com a idade de início da doença. No doente mais jovem as alterações mais frequentes são de defeito de condução, arritmia com necessidade de pacemaker precocemente; no indivíduo mais velho muitas vezes este envolvimento cardíaco caracteriza-se por uma miocardiopatia infiltrativa (amiloide) traduzindo-se em graus variáveis de insuficiência cardíaca.

Paramiloidose ainda é a nomenclatura correta?
Será sempre conhecida como Paramiloidose ou Polineuropatia Amiloide Familiar, no nosso país.   A mudança de nomenclatura pretende abranger outras formas de doença que não apenas aquela que se caracteriza predominantemente por polineuropatia. Assim designação de “amiloidose ATTRv associada a Polineuropatia ou Miocardiopatia” pretende espelhar o tipo de doença e proteínas envolvidas: “A” – é a designação da substância amiloide; TTR – a proteína implicada na doença; v – a variante ou mutação associada e Amiloidose a doença. Desta forma a designação da forma de doença e da mutação associada esta sempre espelhada, levando a uma maior uniformidade de designação.

O diagnóstico desta doença é fácil?
O diagnóstico não é fácil e eu diria que o principal sinal de alerta é estarmos perante uma neuropatia rapidamente progressiva, sem resposta à medicação habitual.
A associação da neuropatia a alterações autonómicas é outro dos sinais de alerta, tal como o envolvimento cardíaco. É ainda importante a história familiar, ainda que não seja obrigatoriamente existente, e a origem dos doentes, embora saibamos que a grande maioria provém da zona Norte do país, a não proveniência destas zonas não deve excluir o diagnóstico. São motivos podermos pensar que estamos perante uma amiloidose hereditária. A suspeita de diagnóstico deve ser colocada sempre que se associe um ou mais destas situações clínicas.

O doente com paramiloidose descrito pelo Dr. Corino de Andrade ainda é o mesmo que hoje chega ao seu consultório?
Ele ainda é o mesmo, mas eu diria que neste momento o paradigma mudou muito. Continuamos a ter esse doente adulto jovem, com sintomas disautonómicos marcados, mas temos também o doente mais velho (60-70 anos de idade), sem história familiar, que pode não provir de zonas de elevada prevalência da doença, mas em que é feito o diagnostico de miocardiopatia, sem que o envolvimento neuropático seja o predominante. Podemos dizer, pelo menos no nosso centro de referência, que pelo menos cerca de um terço dos doentes são doentes em que a doença começa para lá dos 50 anos e que apresentam manifestações neuropáticas e cardíacas

O que mudou nos últimos tempos sobre o entendimento científico desta doença?
Felizmente mudou muita coisa. Com o desenvolvimento de novos fármacos modificadores da doença a perspetiva da abordagem terapêutica mudou significativamente. Estes são fármacos que permitem estabilizar a proteína TTR, ou fármacos que vão “silenciar” o gene da TTR e impedem parcialmente as sua produção na célula hepática. Atualmente temos três alternativas farmacológicas modificadoras da doença, que terão a sua indicação de acordo com as características dos doentes.

Onde é que estes doentes podem procurar ajuda?
Estes doentes devem sempre procurar ajuda nos centros de referência de paramiloidose, pois são os maiores conhecedores da doença e com mais experiência. Estes são coordenados e geridos por neurologistas com vasta experiência na abordagem da doença, que terapêutica sintomática quer a terapêutica modificadora.

Quer deixar alguma mensagem final?
É necessário os profissionais de saúde estarem alerta para a um doente que tem uma neuropatia rapidamente progressiva, às quais se podem associar sintomas desautonómicos e sintomas cardíacos. Este é o doente em que a suspeita de diagnóstico deve ser levantada e deve ser pesquisada a existência de uma mutação no gene da TTR. Não se deve deixar atrasar o diagnostico destes doentes, uma vez que há terapêutica disponível que permite travar a evolução da mesma.

SO

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