Obstipação crónica
Ana Célia Caetano, Gastrenterologista do Hospital de Braga

Obstipação crónica

Introdução
A obstipação crónica é uma das condições digestivas mais frequentemente diagnosticadas. A sua prevalência estimada a nível mundial é de 15%. Esta alta prevalência, associada aos custos económicos (no diagnóstico, tratamento, absentismo laboral e socio-familiar) assim como ao impacto na qualidade de vida destes doentes, tornam a obstipação um problema de saúde major.

O que é obstipação?
A obstipação define-se como uma defecação infrequente, difícil ou insatisfatória e manifesta-se por um espectro largo de sintomas. Assim, é um distúrbio sintomático que se pode manifestar de diversas formas – número reduzido de dejecções por semana, sensação de bloqueio anorectal, esforço evacuatório excessivo, sensação de evacuação incompleta. Considera-se crónica quando estes sintomas se manifestam há mais de 6 meses.

Pode ser uma condição secundária, quando se identifica uma causa para a obstipação (medicação, alterações anatómicas ou doenças sistémicas). É mais comum ser uma condição primária ou funcional, relacionada com disfunção neuromuscular ou sensorio-motora.

Então este distúrbio sintomático diagnostica-se com que critérios?
Os critérios de Roma definem estas doenças do tubo digestivo de causa primária ou funcional que actualmente são denominadas doenças do eixo cérebro-intestinal. Os critérios de Roma definem então a obstipação crónica como um distúrbio sintomático (diagnóstico baseado em sintomas) e reconhecem subgrupos de obstipação crónica – obstipação de trânsito normal, obstipação de trânsito lento e os distúrbios defecatórios, embora estes subgrupos possam coexistir.

Assim, um doente com obstipação funcional deve apresentar 2 dos seguintes critérios (em mais de 25% das dejecções e durante 3 dos últimos 6 meses): 1) menos de 3 dejecções por semana, esforço evacuatório excessivo, sensação de evacuação incompleta, sensação de bloqueio anal, fezes endurecidas, uso de manobras digitais para evacuar. Num espectro contínuo de sintomas de obstipação, um doente poderá ter o diagnóstico de síndrome do intestino irritável subtipo obstipação que se define por critérios diferentes: dor abdominal recorrente (1x/semana nos últimos 3 meses) associado a 2 destes 3 aspectos 1) alívio da dor com defecação, 2) alteração na frequência das fezes 3) alteração da forma (aparência) das fezes. As fezes destes doentes também são endurecidas em mais de 25% das evacuações. Alguns doentes podem apresentar, em alternância, em diferentes momentos da vida critérios de obstipação funcional ou de síndrome do intestino irritável subtipo obstipação. A escala de consistência das fezes de Bristol é uma ferramenta visual útil para avaliar as características endurecidas das fezes referidas nos critérios de Roma.

Quais são as principais causas de obstipação?
Considerando inicialmente as causas secundárias da obstipação, podemos definir alguns grupos principais: causas medicamentosas (por exemplo analgésicos opióides, antipsicóticos ou suplementos de ferro), doenças sistémicas e neurológicas como hipotiroidismo, Diabetes mellitus ou doença de Parkinson, alterações anatómicas como neoplasias ou sequelas a cirurgia colorectal.

As causas de obstipação funcional são diversas e complexas e incluem distúrbios da motilidade e sensibilidade cólica assim como aspectos dietéticos e do microbioma intestinal. Factores psicológicos e comportamentais estão também implicados. Adicionalmente a obstipação crónica funcional pode resultar de distúrbios defecatórios quando a coordenação muscular anorectal está perturbada. Podem ser hábitos evacuatórios disfuncionais, resultantes de um comportamento de aprendizagem perturbado. Daí a associação frequente com abusos físicos e sexuais. Os distúrbios evacuatórios também podem coexistir com alterações estruturais anorectais como prolapso rectal ou retocelo. Estes distúrbios defecatórios parecem justificar aproximadamente metade dos casos de obstipação crónica funcional.

Analisando o doente obstipado
Quando avaliamos o doente obstipado devemos pensar nos factores de risco habitualmente associados a obstipação – maior idade, sexo feminino e condições socio-económicas desfavorecidas.

Também nesta avaliação devem ser consideradas inicialmente as causas secundárias que poderão ser excluídas habitualmente com uma minuciosa história clínica e análises sumárias. Estas análises podem incluir estudo de anemia, doença celíaca, patologia tiroideia ou desequilíbrios iónicos. Na presença de sinais de alarme (emagrecimento, perdas de sangue) ou na suspeita forte de uma causa secundária, a colonoscopia ou exames imagiológicos podem estar indicados assim como o estudo aprofundado e a referência a outra especialidade.

Exame complementares devem ser realizados quando o mecanismo fisiopatológico subjacente à obstipação alterar a nossa conduta terapêutica. Podem incluir a realização de teste de expulsão de balão, manometria anorectal ou defecografia dinâmica (com algumas modalidades imagiológicas descritas).

Tratando a obstipação crónica – passo a passo
A abordagem terapêutica da obstipação decorre em diversas etapas progressivas. A orientação inicial deve focar nas modificações do estilo de vida (aumento da ingestão de fibras e actividade física, redução de stress, higiene do sono e correcção dos hábitos na casa de banho). Os doentes poderão melhorar a postura na casa de banho com o uso de banco dos pés. Dependendo da interacção com a água, as fibras podem ser solúveis (psílio) ou insolúveis (farelo). As fibras insolúveis devem ser introduzidas gradualmente e com uma adequada ingestão de água.

Os passos seguintes incluem o uso de laxantes osmóticos como o polietilenoglicol ou a lactulose, diariamente e em dose crescente se necessário.

Os laxantes irritativos como o sene e o bisacodilo estimulam a actividade colorectal. Poderão ser usados de modo contínuo ou “por necessidade” (2-3x/semana), associados ou não aos laxantes osmóticos descritos. Podem originar cólicas abdominais – efeito secundário relacionado com o seu mecanismo de acção.

Aos laxantes descritos, podem ainda ser associados (ou utilizados em substituição) medicamentos secretagogos ou procinéticos, que aumentam a secreção de fluidos intestinais ou o movimento cólico por acção directa. Está apenas disponível em Portugal a linaclotida.

Os distúrbios defecatórios podem ser corrigidos com reabilitação funcional do pavimento pélvico com diversas modalidades de biofeedback descritas. Poderão estar indicadas correcções cirúrgicas de alterações estruturais que condicionem distúrbios defecatórios.

Estratégias invasivas como a estimulação neurosagrada e a colectomia poderão estar reservadas para casos individuais de obstipação refratária.

 

A autora escreve ao abrigo do AAO

 

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