6 Mar, 2024

“O grande desafio é a acessibilidade aos novos fármacos para a diabetes e a obesidade”

Paula Freitas, endocrinologista da Unidade de Saúde Local São João e professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, é a nova presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. A especialista fala deste seu novo desafio, encarado com “espírito de missão”, assim como dos desafios do tratamento das diabetes e da obesidade, entre outros assuntos.

Assumiu recentemente a presidência da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM). O que a levou a assumir este desafio?
Fui convidada pela Direção anterior da SPEDM para fazer uma proposta, para endereçar os corpos sociais, para o próximo triénio. Gosto muito de desafios e pensei logo numa equipa jovem e dinâmica. Fizemos a nossa proposta, submetemos-mos a eleições, ganhámos e fomos eleitos.

Somos uma equipa muito jovem e esperamos, nos próximos três anos, contribuir para que a SPEDM tenha muito mais influência, tanto a nível nacional, como internacional. Encaramos esta nossa tarefa para os próximos três anos com grande espírito de missão.

“Encaramos esta nossa tarefa para os próximos três anos com grande espírito de missão”

 

Quais são os objetivos para este mandato?
Priorizámos alguns itens, nomeadamente reforçar a internacionalização da SPEDM. É importante termos projetos cooperativos com outros centros europeus e que a Endocrinologia e os endocrinologistas mais novos comecem a aparecer na cena internacional. Consideramos que temos projetos nacionais muito interessantes, mas é preciso uma internacionalização da Endocrinologia nacional.

Também consideramos importante desenvolver parcerias com sociedades científicas nacionais e reforçar o nosso posicionamento e o prestígio da SPEDM no seio médico nacional, mas também no público em geral.

A Sociedade tem o papel de promover a investigação; de estimular iniciativas de cooperação entre diferentes serviços e instituições e é fundamental haver uma interdisciplinaridade e promoção da investigação entre a ciência básica e a clínica, assim como trabalhar dados de Epidemiologia nacionais.

É muito importante posicionarmos a SPEDM junto das autoridades de saúde nacionais. A Sociedade deve ser parceira e considerada nos processos de tomada de decisão, nomeadamente nas áreas que dizem respeito à Endocrinologia.

Queremos divulgar e promover a Endocrinologia, as doenças endócrinas e também os dados da prevenção e da promoção da saúde para a comunidade, mas também fazer ações dirigidas à comunidade médica.

Temos outro grande projeto, a internacionalização da revista da Sociedade. Queremos que tenha um corpo editorial muito mais internacional e atraente, de modo a que pessoas de todo o mundo publiquem na nossa revista.

Vamos ainda promover e desenvolver o Registo Nacional das Doenças Endócrinas e reforçar a aposta e o investimento na formação dos internos de Endocrinologia.

A SPEDM pode ter um papel importante na formação, promovendo mais cursos e outras iniciativas e envolvendo mais os internos nas suas atividades.

Atualmente, as redes sociais têm um papel dominante na vida das pessoas e queremos continuar o trabalho iniciado pela Direção anterior e reforçar a presença da SPEDM nas redes sociais.

Dado que a Endocrinologia tem muitas especificidades, parece-nos importante apostar na diferenciação de uma Enfermagem especializada na área. Os doentes e as suas associações têm uma influência cada vez maior junto do poder político. Queremos apostar, promover e aumentar a nossa colaboração com as associações de doentes, de modo a, em conjunto, conseguirmos mais benefícios para os doentes, nomeadamente, por exemplo, a comparticipação de fármacos e a promoção da saúde e da literacia em determinadas doenças do foro endocrinológico.

Pretendemos continuar a fazer um bom Congresso Português de Endocrinologia, que tem sido um grande marco e crescido muito nos últimos anos. É um momento que reúne, não só os endocrinologistas de todo o pais, mas também especialistas e investigadores internacionais e colegas de outras áreas.

Cada vez mais, queremos que o momento do Congresso seja de agregação, até porque o conhecimento não é estanque. A interdisciplinaridade é fundamental e, nesse sentido, queremos contar com a participação de colegas de várias especialidades.

Vamos, ainda, assinalar datas emblemáticas da Endocrinologia, como foi exemplo 4 de março, o Dia Mundial da Obesidade. É importante que a SPEDM esteja presente, desenvolvendo uma série de iniciativas, desde artigos em jornais e entrevistas e nos diferentes canais televisivos.

Por exemplo, no caso da obesidade temos de lutar para que deixe de ser vista de forma estigmatizante e para que passe a ser entendida como uma doença, também para que as pessoas tenham acesso aos fármacos. Mas, mais dias se seguirão, como o da hormona, da tiroide…

A Sociedade quer apoiar os grupos de estudo e fomentar para que sejam mais ativos. Além disso, também queremos continuar a estreitar relações com o colégio de especialidade da Ordem dos Médicos.

A anterior Direção inovou e criou uma newsletter da Sociedade, que teve muito boa aceitação por parte dos sócios. Queremos continuar este trabalho, desenvolvê-lo e mantê-lo, uma vez que é uma forma de partilha entre os sócios, assim como pretendemos promover uma comunicação regular entre todos.

Como referi no início, o nosso espírito é de missão, mas também é de inclusão. Queremos incluir todos: os sócios novos e os mais antigos, de diversas áreas do conhecimento, especialistas que trabalham no Sistema Nacional de Saúde, no privado e em ambos. Somos uma sociedade inclusiva e todos são bem-vindos.

“No caso da obesidade temos de lutar para que deixe de ser vista de forma estigmatizante e para que passe a ser entendida como uma doença, também para que as pessoas tenham acesso aos fármacos”

 

Quais as doenças endócrinas mais frequentes?
A obesidade, a diabetes e as doenças da tiroide. Além destas, todas as patologias das glândulas endócrinas, como as doenças da hipófise, da tiroide, das paratiroides, do pâncreas, das gónadas, etc. A Endocrinologia é uma área do conhecimento médico muito abrangente.

Em termos de dados de prevalência da obesidade e pré-obesidade nos adultos, em Portugal, estamos na ordem dos 60% – 22,3% tem obesidade e 34,8% tem pré-obesidade. A nível europeu, 50% das pessoas tem excesso de peso ou obesidade.

Quanto à diabetes, de acordo com os dados do Observatório da Diabetes de 2023, referentes a 2021, a prevalência é de 14,1%, sendo que 7,9% está diagnosticada e 6,1% por diagnosticar.

 

Os medicamentos são cada vez eficazes, mas os números continuam a aumentar. Quais são realmente os grandes desafios no tratamento destas doenças?
A obesidade e a diabetes mellitus tipo 2 estão intimamente ligadas, ou seja, se tratarmos a obesidade estamos a prevenir ou a retardar o aparecimento da diabetes. Por outro lado, ao tratarmos as pessoas com diabetes instalada, atualmente, com os novos fármacos, também estamos a tratar a obesidade.

O grande desafio é a acessibilidade aos novos fármacos, que tratam a diabetes e a obesidade e têm uma série de benefícios adicionais. Ou seja, ao tratarmos a obesidade com os novos fármacos, o objetivo não é tratar o peso – esse é um outcome intermédio. O que se pretende tratar é a doença obesidade, que está intimamente relacionada com fatores genéticos, mas também com alterações a nível cerebral, do controlo da regulação do apetite e da saciedade.

Além disso, por sua vez, estes mecanismos estão intimamente relacionados com a genética, porque a maior parte dos genes expressam-se a nível cerebral. Ao tratar a obesidade com os novos fármacos, não só reduzimos o peso, como tratamos ou prevenimos uma série de complicações metabólicas, mecânicas e mentais.

A obesidade está associada a mais de 200 doenças. Ao tratar a obesidade estamos também a tratá-las ou a fazer com que não se instalem. Estamos a dar qualidade e anos de vida às pessoas.

Portanto, o grande desafio é o facto de estes fármacos inovadores serem caros, não terem comparticipação e os doentes não terem capacidade para os comprar, no caso da obesidade. Também sabemos que a obesidade é muito mais prevalente em classes sociais mais desfavorecidas, isto é, em pessoas que não têm acesso aos fármacos.

O grande desafio é tratar estes doentes, quer nos cuidados primários, quer nos hospitalares, em equipas credenciadas para o tratamento da obesidade, com médico, psicólogo, nutricionista e, eventualmente, também, fisiologista do exercício físico, que seria muito importante.

A grande dificuldade é proporcionar tratamento eficaz e a longo prazo a todos os doentes, porque é muito oneroso.

Por outro lado, no caso das pessoas que ainda não têm obesidade instalada, considero que é essencial iniciar o tratamento precocemente. Aliás, é durante a gestação e logo no pré-escolar que devemos iniciar a promoção e a literacia em saúde. A aposta e o investimento devem ser na prevenção.

Se prevenimos a obesidade, vamos prevenir a diabetes, a hipertensão, a dislipidemia, as doenças cardiovasculares e os cancros.

 

Então os próximos passos são a acessibilidade aos medicamentos, a comparticipação e as equipas multidisciplinares?
Sim, no que respeita ao tratamento da obesidade. Em relação à diabetes é importante que os doentes tenham acesso a fármacos inovadores. São medicamentos que, não só melhoram o controlo da diabetes, mas também reduzem o risco cardiovascular e de doença renal e dão melhor qualidade e mais anos de vida.

 

E esta situação da acessibilidade aos medicamentos é só uma questão de comparticipação?
No caso da obesidade é uma questão de comparticipação. É preciso vontade política nesse sentido, mas é preciso também que se crie o subgrupo farmacológico dos medicamentos para a obesidade, só depois é possível a submissão ao Infarmed, para depois haver a possibilidade de serem ou não comparticipados.

Existem vários escalões de comparticipação para os fármacos para a obesidade e nós, enquanto sociedade, propomos que sejam comparticipados em cerca de 37%. Já seria muito bom para as pessoas com obesidade.

 

“Existem vários escalões de comparticipação para os fármacos para a obesidade e nós, enquanto sociedade, propomos que sejam comparticipados em cerca de 37%”

E em relação aos medicamentos para a diabetes?
Essa é outra questão. Neste momento, a lei da procura e da oferta está desequilibrada, ou seja, os laboratórios não conseguem colocar no mercado fármacos para todos, porque, provavelmente, há um desvio dos mesmos para as pessoas com obesidade.

Portanto, em Portugal, temos fármacos que têm indicação para tratamento da diabetes, que estão no mercado e que são comparticipados em 90%. Temos três fármacos com indicação para o tratamento da obesidade, que não estão comparticipados.

 

Quais são os seus objetivos para o futuro?
Os objetivos para o futuro em termos da sociedade são elevar a SPEDM a um patamar maior, quer do ponto de vista nacional, quer do ponto de vista Internacional.

Sílvia Malheiro 

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