“Neste momento conseguimos ambulatorizar cerca de 80 a 90% dos procedimentos de sleeve gástrico”

José Pedro Pinto, médico especialista da equipa de Cirurgia Bariátrica do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de Braga, foi distinguido, na categoria de jovem cirurgião com currículo promissor, com a atribuição de uma bolsa da Federação Internacional de Cirurgia de Obesidade e Metabólica (IFSO). As bolsas foram entregues durante a 26.ª edição do Congresso Mundial de Cirurgia Bariátrica e Metabólica da IFSO.

Como reagiu a esta distinção na categoria de Jovem Cirurgião com Currículo Promissor?
Acho que, de facto, esta distinção premeia, não só o trabalho individual, mas também o que tem sido feito nestes últimos anos pela equipa de cirurgia bariátrica da qual eu só faço parte desde há um ano, sensivelmente.

No fundo, é uma análise curricular que vem demonstrar a qualidade da formação, não só do internato de Cirurgia Geral do Hospital de Braga, como desta área da Cirurgia Metabólica e Bariátrica. Assim, recebo o prémio não como uma distinção meramente individual, mas sim como o premiar um trabalho de equipa que já leva alguns anos no tratamento cirúrgico da obesidade.

 

Como surgiu o interesse por esta área da Cirurgia Bariátrica?
É uma área em expansão. Fui interno de Cirurgia-Geral no Hospital de Braga, e sempre tive interesse na área digestiva. Quando acabei o internato a oportunidade de ficar aqui no serviço prendeu-se com a necessidade de haver uma vaga na Cirurgia Endócrina, mais na unidade de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, estamos a falar da cirurgia da tiroide, glândula salivares, e acabei por ficar a trabalhar cerca de 3 anos nessa área.

Há pouco mais de um ano surgiu esta hipótese porque é uma área em expansão, com necessidade de mais pessoas a trabalhar. É uma área de particular interesse para mim exatamente por isso, porque infelizmente a obesidade é a epidemia do nosso século.

“Claramente a obesidade carece de mais interesse, não só do ponto de vista de tratamento como de prevenção”

 

Que trabalho tem sido desenvolvido pela equipa de Cirurgia Bariátrica do Hospital de Braga?
No Hospital de Braga já existe uma equipa dedicada a esta área há muitos anos, que começou com o Dr. Maia da Costa, que foi coordenador da equipa até há relativamente pouco tempo.

Desde há sensivelmente dois anos o Dr. Fernando Manso coordena a equipa de Cirurgia Bariátrica, juntamente com a Dr.ª Ana Cristina, o Dr. Maia da Costa, e mais recentemente eu integrei a equipa.

O trabalho tem evoluído muito no sentido de ambulatorização do procedimento, porque se tem comprovado seguro e altamente standardizado. Estamos a falar sobretudo de duas cirurgias que são as mais praticadas em todo o mundo na área da cirurgia metabólica: o sleeve gástrico, que não é mais do que uma gastrectomia parcial, uma gastrectomia vertical calibrada, e o bypass gástrico que é o gold standard da Cirurgia Metabólica.

Neste momento, conseguimos ambulatorizar cerca de 80 a 90% dos procedimentos de sleeve gástrico. Criámos um protocolo, juntamente com a equipa de anestesia e com o apoio de enfermagem, sempre apoiados na equipa multidisciplinar de base que integra, não só os cirurgiões, como também uma psiquiatra, duas endocrinologistas e duas nutricionistas.

“Nestes últimos anos, o tratamento cirúrgico da obesidade também tem aumentado. A equipa operava, sensivelmente, 150 a 200 casos por ano, e neste momento estamos a caminho dos 300”

 

A nível nacional consegue observar que existe um avanço no Hospital de Braga no que diz respeito a esta área da Cirurgia Metabólica e Bariátrica?
Sinceramente, considero que estamos ao nível dos melhores, modéstia à parte, porque não é um trabalho individual, é um trabalho de equipa, e penso que o Hospital de Braga, nesta área da Cirurgia Metabólica, oferece aos doentes cuidados tão bons ou melhores que em qualquer outra unidade dedicada do país.

Os dois procedimentos de que falei, o sleeve e o bypass, são praticados aqui rotineiramente, assim como a cirurgia revisional, de conversão nesta área metabólica, que também é muito realizada por nós na unidade.

 

Quanto ao congresso, existem novidades no que diz respeito à Cirurgia Metabólica e Bariátrica?
As novidades vão surgindo sempre. A grande evolução das últimas décadas nesta área foi a laparoscopia. Sem dúvida, abriu as portas a que pudéssemos oferecer este tratamento de uma forma menos invasiva e com uma recuperação mais rápida, de tal forma que, hoje em dia, ambulatorizamos os doentes, ou seja, temos a grande parte dos doentes internados menos de 24 horas.

Mais recentemente o advento da robótica também tem sido muito discutido na área da Cirurgia Bariátrica, mas parece ainda atualmente reservado, sobretudo para os casos mais complexos de cirurgia revisional, ou seja, para cirurgias em que estamos à espera de encontrar maiores dificuldades técnicas devido a intervenções prévias.

Existem também alguns procedimentos que ainda podem ser considerados experimentais no que concerne à construção de umas ligações do intestino com os dispositivos magnéticos, que já foram em tempos utilizados noutro tipo de cirurgia digestiva, mas que foram também discutidos nesta reunião internacional.

Sobretudo nesta 26.ª edição do Congresso da IFSO, acho que o grande avanço foi o sublinhar da importância da implementação das novas lead lines desta sociedade internacional em conjunto com a Sociedade Americana de Doenças Metabólicas que foram publicadas no ano passado e que abrem aqui a hipótese da indicação do tratamento cirúrgico de obesidade a mais doentes.

“Doentes com um grau de obesidade considerado não tão grave devem começar a ser considerados elegíveis para a cirurgia metabólica, apesar de isso ainda não ser a diretriz ou orientação da lei nacional”

Destacaria ainda deste congresso internacional o livro de consensos que foi publicado, resultante de uma reunião em Hamburgo neste último ano, em que no fundo se pretende uniformizar tudo o que é nomenclatura relacionada à cirurgia da obesidade, sublinhando a importância de retirar o estigma desta patologia. Cada vez mais, temos múltiplas ordens terapêuticas e acho que estes consensos vêm ajudar nesse tipo de orientação futura, e também na uniformização de critérios de forma a que, daqui por alguns anos, possamos fazer análises retrospetivas de uma forma mais correta com este tipo de definições uniformizadas e publicadas.

 

Como pensa investir o valor da bolsa que lhe foi atribuída?
O primeiro objetivo da bolsa prendia-se com o financiamento da ida ao evento, suportando assim o custos da viagem e alojamento para conseguir estar presente no congresso.

Ainda assim, temos neste momento em vigor no Hospital de Braga um estudo, em que pretendemos validar a monitorização remota nos nossos doentes pós-cirurgia bariátrica. A cada doente é atribuído um monitor com sensores que nos permitem, à distância, saber a sua frequência cardíaca, saturação periférica, temperatura axilar, e acreditamos que isso possa vir a alargar os critérios dos doentes que operamos em cirurgia de ambulatório.

Portanto, algum desse valor que, apesar de ser pouco, sobrou da bolsa que me foi atribuída, irei discutir a possibilidade de investir para otimizar a realização desta investigação, junto da restante equipa.

 

CG

Notícia relacionada

Cirurgia Metabólica: Uma mudança de paradigma

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais