16 Nov, 2022

Hospitalização Domiciliária. “Ser tratado no conforto do lar torna todo o processo mais humanizado”

Sofia Ribeiro é médica internista e coordenadora da Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD) do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUPorto). O projeto assinala 3 anos de vida e, em entrevista, fala dos desafios da equipa.

Que balanço faz destes 3 anos de UHD?

Têm sido desafiantes e de intenso trabalho pela melhoria constante dos processos que temos vindo a implementar. O objetivo é sempre o mesmo: prestar os melhores cuidados possíveis aos doentes e possibilitar esta modalidade de internamento a um maior número de doentes. Ao longo destes 3 anos observámos 1345 doentes, internámos 567 doentes e fizemos 3644 visitas domiciliárias. O grau de satisfação global dos doentes e cuidadores são encorajadores desta entrega, sendo que 100% deles recomendariam esta tipologia de internamento.

 

Quais os principais desafios que se teve de enfrentar na sua criação?

A edificação de raiz de uma nova unidade no hospital, com características distintas, acarreta sempre um conjunto de desafios, muitos deles difíceis de antecipar. Foi, por isso, importante compreender como funcionam os processos em execução no hospital para delinear e implementar os novos processos da UHD, em linha com os já existentes. A UHD do CHVNG/E foi a nossa “madrinha”, com uma partilha total da sua experiência, facilitando o nosso arranque.

Foi necessário desenvolver um conjunto de iniciativas com vista a dar a conhecer a UHD, tendo sido estas adaptadas aos diferentes públicos-alvo. Começámos por apresentar a unidade aos vários serviços do hospital e também fora de portas. Foi fundamental que todos ficassem cientes dos critérios de internamento na UHD, por forma a permitir a identificação nas enfermarias, no serviço de urgência e potencialmente em todos os outros serviços do CHUPorto, de doentes que poderiam ser internados na UHD. Apresentámos ainda o projeto aos ACeS do Porto Ocidental e de Gondomar, às câmaras municipais do Porto e Gondomar, bombeiros e comunidade, criando com alguns deles protocolos com vista a facilitar a comunicação mútua. Desde o início que consideramos essencial a proximidade com as unidades de saúde locais, porque são, sem dúvida, essenciais para uma boa gestão clínica do doente.

“… temos também estabelecido pontes com outras unidades, possibilitando o internamento na HD de doentes que residem a mais de 200km do Porto”

 

Que doentes têm direito a hospitalização domiciliária?

Todos os doentes têm direito à hospitalização domiciliária, desde que seja a sua vontade, residam até 30 minutos do hospital e tenham estabilidade clínica e condições terapêuticas para serem assistidos em casa. Sendo o CHUPorto um hospital central, com vários centros de referência, temos sempre doentes internados nas enfermarias que residem noutros concelhos ou mesmo noutros distritos. Desta forma, temos também estabelecido pontes com outras unidades, possibilitando o internamento na HD de doentes que residem a mais de 200km do Porto, transferindo-os para outras unidades do país, podendo assim manter o apoio dos seu familiares e amigos.

“Como nos disse uma doente de 104 anos, aqui [em casa] sei quem sou, lá só tinha o meu nome.”

 

Quais as mais-valias para os doentes e também para os profissionais de saúde?

As vantagens têm sido notórias a diversos níveis e tem-se superado as expectativas de quem aqui trabalha todos os dias. A UHD permite levar a casa dos doentes o mesmo tratamento que receberiam num internamento hospitalar convencional. À primeira vista poderá parecer pouco significativo, mas o facto de o doente poder ser tratado no conforto do seu lar e próximo dos seus familiares/cuidadores torna todo o processo de tratamento mais humanizado e acolhedor, reduzindo o risco de abandono social, de depressão e de desadaptação física.

Como nos disse uma doente de 104 anos, “aqui [em casa] sei quem sou, lá só tinha o meu nome.” Aspetos tão simples como a possibilidade de o doente poder circular em sua casa, sem estar confinado ao leito e ao cadeirão, tem um grande impacto na sua recuperação emocional, motora e cardiovascular. Por outro lado, todos os ensinos tendem a ser mais personalizados e dirigidos não apenas ao doente, mas também aos cuidadores e residentes nas suas casas, tornando-se sem dúvida mais eficiente e personalizada a nossa intervenção. Simultaneamente, e pelos vários motivos referidos, verifica-se uma redução de complicações hospitalares, como é o caso das infeções de agentes hospitalares ou quedas, traduzindo-se numa redução do tempo de internamento. Por outro lado, do ponto de vista institucional, a UHD permite libertar as camas mais precocemente, ficando disponíveis para os que inevitavelmente precisam de internamento dentro de portas hospitalares, melhorando a capacidade de resposta do CHUPorto.

“Com o apoio da nossa assistente social e de toda a equipa médica e de enfermagem vamos estando atentos nas nossas visitas a situações que possam ser melhoradas”

Cada vez se alerta mais para a necessidade de haver uma maior interligação entre cuidados de saúde e cuidados sociais. Tendo em conta a sua experiência como internista e como coordenadora de uma UHD, concorda?

Os cuidados de saúde e os cuidados sociais são, a meu ver, indissociáveis. As estruturas familiares modificaram-se muito nos últimos anos e nem sempre a família mais nuclear consegue dar o apoio que gostaria ao seu familiar doente, sendo frequentemente um motivo de recusa de internamento na UHD. Durante a pandemia tivemos vários internamentos que foram possíveis porque havia algum familiar em teletrabalho, permitindo-lhe cuidar e trabalhar em simultâneo. Com o apoio da nossa assistente social e de toda a equipa médica e de enfermagem vamos estando atentos nas nossas visitas a situações que possam ser melhoradas na casa de alguns doentes, tentando inclusive estabelecer contactos com instituições da comunidade. Mas muito mais haverá para fazer…

 

Que projetos têm para o futuro?

Neste momento estamos a implementar um projeto de telemedicina na UHD, que nos vai permitir a monitorização dos doentes, em tempo real, permitindo uma assistência mais segura de alguns tipos de doentes. Pretendemos também com este projeto reduzir a pegada ambiental, dinamizando projetos digitais que reforcem ensinos e educação para a saúde. Gostaríamos também de desenvolver programas de formação para os cuidadores, melhorando a sua prestação e ajudando a desenvolver outras aptidões. Temos encontrado famílias e cuidadores fantásticos!

 SO

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